No país em que 46.328 pessoas morreram de forma violenta em 2023 —73,6% por arma de fogo—, é um acinte que o Senado Federal pense que não há nada mais urgente do que votar um projeto que permite que clubes de tiro sejam instalados perto de escolas. Na última terça-feira (20), senadores aprovaram pedido de urgência para votar o PDL (projeto de decreto legislativo) que susta parte do decreto de armas do governo Lula (PT), sem possibilidade de veto presidencial.
Fora o risco da violência, há o problema do barulho de tiro constante: em 2022, a cidade gaúcha de Santo Augusto, de apenas 13 mil habitantes, proibiu clubes de tiro a menos de 3 km de escolas devido a reclamações reiteradas de sons de disparos ao ar livre a qualquer hora do dia. E essa não é a única mudança ultrajante.
O projeto modifica outros pontos essenciais. O PDL retira os critérios para colecionar armas de fogo no país. Isso abre a brecha para que o colecionamento de armas funcione como uma porta de entrada para aquisição de armamentos sem o controle devido, inclusive de fuzis. O efeito pode ser o mesmo depois que Bolsonaro flexibilizou o tiro desportivo.
O PDL, ademais, permite qualquer arma de gás comprimido; esta não é só a arma de chumbinho ou de “paintball”. Algumas delas têm energia na saída do projétil mais potente do que armas de fogo, apontam especialistas. O projeto, ainda, acaba com o requisito da habitualidade para tiro desportivo, passando a não prever mais um número mínimo de tiros de treino ou de permanência (não é necessário que o praticante de tiro vá todos os dias ao clube).
Senadores querem instalar clubes de tiro a menos de 1 km de onde o seu filho estuda. Quero ver como a bancada da bala vai defender, na próxima eleição, que arma de fogo perto de escolas é bom para crianças. Entre 2021 e 2023, 3 em cada 10 crianças mortas de forma violenta no país foram vitimadas por armas de fogo; agora o Senado Federal quer que o próximo seja o seu filho.