‘Sequelas físicas e psicológicas, só consigo chorar’, diz jovem que denunciou racismo após ser expulso de shopping à força

Estabelecimento alega que Tomas teria filmado outras mulheres sem permissão, mas ele nega e diz que estava sendo seguido desde que entrou no local

FONTEPor Bernardo Yoneshigue, do O Globo
Jovem denuncia racismo em shopping após ser retirado à força. (Foto: Arquivo Pessoal)

O jovem de 26 anos que denunciou seguranças do Shopping Benfica, em Fortaleza, no Ceará, por crime de racismo após ser retirado brutalmente do estabelecimento, na tarde do último sábado, nega que tenha filmado mulheres sem o consentimento. Ao GLOBO, Tomas Michael Silva Adewoye, rebate as acusações, conta que estava sendo seguido desde que entrou no local e diz que as imagens de segurança podem garantir que está dizendo a verdade.

— Eles não têm provas, porque eu realmente não fiz nada. Eu não iria puxar algo que possa me prejudicar, se eu estivesse errado. Mas eu estou 200% certo, não olhei pra ninguém, não mexi com ninguém. Só estava bebendo um chopp e tinham três seguranças atrás de mim, me seguindo. É a primeira vez que eu fui no shopping, estava olhando o ambiente, vendo a música ao vivo. Eu não filmei ninguém. Meus amigos estavam filmando o ambiente para postar nas redes sociais, algo normal — diz.

Nas imagens gravadas por pessoas que estavam no local, é possível ver os seguranças do shopping retirando Tomas do local à força pelo pescoço. Nesse momento, elas contestam a agressividade dirigida ao jovem, que repete não ter feito nada. Do lado de fora, outro vídeo mostra o pescoço dele inchado após a ação dos seguranças.

— Nunca vivi nada parecido. Foi uma experiência horrorosa, um sentimento indescritível. Tá todo mundo (da família) arrasado, um clima pesado. São sequelas físicas e psicológicas, só consigo chorar o dia todo, é inacreditável. Nós sempre vemos na televisão, mas nunca pensei que ia acontecer comigo. Mas vou com a denúncia até o fim. Não é por dinheiro, não é por nada, é por Justiça. Se eu puder processar até a polícia, eu vou. Foi preconceito dos seguranças, do shopping, da polícia — conta.

Tomas, que é de São Paulo e trabalha com vendas, abriu um boletim de ocorrência (BO) após o caso e diz manter contato com cerca de quatro pessoas que estavam no local e estão dispostas a testemunhar. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará, confirmou a abertura do BO e disse que “o caso foi transferido para a Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin), unidade que dará prosseguimento às investigações”.

Shopping diz estar ‘apurando as informações’

O shopping diz que está “apurando as informações”, mas alega que os seguranças teriam atendido a reclamações de mulheres que se sentiram incomodadas. Segundo o estabelecimento, elas afirmam que o jovem estaria as filmando e, por isso, teriam se sentido incomodadas.

“De acordo com imagens e relatos de pessoas que acompanharam o episódio”, Tomas estaria fazendo filmagens de mulheres no local, diz nota do local – o que ele nega. “De acordo com testemunha, estaria gravando mulheres. Clientes se sentiram incomodadas e reclamaram para segurança”, continua o comunicado do shopping.

“Uma senhora, em mesa próxima, percebeu que ele estaria gravando as filhas dela e também pediu ajuda à segurança para que ele parasse. O supervisor de segurança dirigiu-se à mesa dos clientes para conversar e relatar o que disseram. O cliente não gostou, exaltou-se e agrediu o supervisor”, alega a nota. Tomas, porém, nega as acusações.

— Os seguranças arrumaram uma mulher que disse que não gostou do jeito que eu olhei pra filha delas. Eu estava num ambiente público, estava olhando para todos os lados, e ela simplesmente falou isso. Eles queriam me colocar por importunação sexual, sendo que não falei com ninguém, não abordei ninguém. Do mesmo jeito que eu quero minha filha respeitada, eu respeito os outros. Não sei o nome dela, mas vou processá-la também por calúnia ou o que quer que seja — afirma.

Ele conta que estava em Fortaleza a passeio, e foi ao shopping junto à mãe, dois amigos, as esposas deles e a mãe de um deles. Enquanto as mulheres foram fazer compras para o dia das mães, Tomas e os amigos foram esperar na praça de alimentação.

Eles iriam esperar ali para que todos juntos lanchassem e assistissem a uma apresentação de música ao vivo que estava acontecendo no local, diz. Porém, desde que entraram no shopping, três seguranças estariam seguindo Tomas e os dois amigos, relata o paulista.

— Desde que entramos, os seguranças ficaram olhando e indo atrás da gente. Fomos ao banheiro e eles foram atrás. Depois fomos na praça de alimentação esperar elas, porque depois íamos escutar uma música ao vivo que tinha lá, e eles também. Quando estávamos lá bebendo, os três seguranças ficaram exatamente do meu lado — diz.

O jovem gravou o momento em que bebe um chopp e os seguranças estão próximos, atrás dele. Nessa hora, Tomas conta que decidiu falar com eles para dizer que os três amigos eram trabalhadores, pais de família, que estavam consumindo e que iam pagar. O jovem tem uma filha de quatro anos.

— Um dos meus amigos inclusive trabalha no sistema penitenciário daqui de Fortaleza. Só que aí eles começaram a me xingar, falar que não era para eu estar lá, que era para eu ficar quieto, a me chamar de filho da p***a. Aí eu comecei a me exaltar, porque ninguém é obrigado a ficar escutando essas coisas. E aí um deles me pegou por trás com um mata leão e me levou para fora do shopping à força — relata.

Ele diz ainda que, embora seja ele que tenha chamado a polícia, os agentes não o ouviram ao chegar no local. Tomas mostrou à reportagem capturas de tela que comprovam a ligação. O shopping afirma também ter ligado para a corporação.

— Chamei a polícia e eles não me deram voz. Eles ficaram falando que eu queria lacrar. Um policial chegou a ameaçar a gente, dizendo para não divulgar vídeo em que eles apareciam que eles iriam atrás. Eu nem queria tornar isso público, tem muita coisa sobre racismo que eu não concordo, mas essa situação realmente foi surreal — afirma.

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