Seria cômico, se não fosse trágico

Brasília. 27 de novembro de 2015. Sete dias após as celebrações do Dia da Consciência Negra e nove após a Marcha das Mulheres Negras, moradores do terreiro de candomblé no Paranoá, a 20 minutos do centro de Brasília, acordam com estalos de chamas que cobrem o local. Por volta das 5h30, “pessoas de bem” invadiram o espaço e atearam fogo no terreino. Mais um de tantos terreiros incendiados criminosamente este ano.

POR FELIPE CARDOSO, do Chuva Ácida

O mês da Consciência Negra trouxe muitos debates e reflexões. Em todos os cantos do país, milhares de pessoas pediram justiça, igualdade de direitos e respeito. Infelizmente, o coro não foi ouvido por todos.

Não foi ouvido, pois é notório o racismo por trás da intolerância. No Brasil, o que é produzido pelos negros é visto com maus olhos. Música, arte, literatura, intelectualidade, ciência, religião… A cultura negra é depreciada e silenciada, reflexo de um pensamento escravista que cisma em sobreviver no país. E os ataques a terreiros e ao povo de santo são provas disso.

A intolerância religiosa que atinge os terreiros frequentemente é alimentada e impulsionada por fundamentalistas religiosos que, em sua maioria, são cristãos, em especial evangélicos que vêm se destacando no quadro político e econômico brasileiro a cada ano que passa, ganhando mais espaço e poder.

No dia 30 de novembro, três dias após a invasão e depredação do terreiro, foi feriado em Brasília. Dia do Evangélico. O feriado existe desde 1995.

Apesar disso, ainda temos que ouvir de alguns representantes e líderes religiosos que há no Brasil uma “cristofobia”. É estranha tal argumentação quando se tem, há bastante tempo, um feriado exclusivo para apenas uma religião específica, na capital federal, sendo que é extremamente difícil fazer com que o dia da Consciência Negra seja um feriado municipal, em muitas cidades brasileiras. Engraçado também é o fato de não vermos com frequência notícias de que igrejas foram invadidas, depredadas ou queimadas. Tal perseguição parece inexistente. Ainda na capital federal, só este ano, 13 terreiros já foram incendiados.

E a intolerância ultrapassa a depredação de bens materiais, chega a agressões físicas. Se Brasília é distante, casos de intolerância religiosa acontecem aqui, perto da gente. Em Araquari, no dia 11 de outubro, um pai de santo foi agredido com pedradas enquanto os agressores gritavam “macumbeiro”.

Intolerância. No dia 20 de novembro, negros e negras gritaram, pedindo o fim do genocídio que atinge a população negra e pobre desse país. Momento de emoção, de esperança, mas que constantemente é quebrado por novos casos de racismo.

Recentemente, cinco jovens foram covarde e brutalmente fuzilados no Rio de Janeiro por policiais militares. Carlos Eduardo de Souza, Cleiton Correa, Wilton Esteves e Wesley Castro Rodrigues saíram para comemorar com Roberto de Souza Penha, o seu primeiro salário. Mais um número nas estatísticas, pois o direito de ir e vir não é permitido aos jovens negros.

Fica cada dia mais visível que a nossa voz é silenciada, que somos marginalizados e nossas vidas são descartadas. O negro no Brasil não tem valor. O negro no Brasil não é levado a sério. É o rodo cotidiano.

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