Servidor número 1

(Foto: Marcus Steinmayer)

Inesquecível! Um fato histórico é tudo o que se ouvia por toda a parte. De fato. Na alegria intensa da posse, vibrava o reconhecimento de que, além do mérito da biografia do presidente, a singularidade de sua trajetória comunicava para a maioria um impulso que mobiliza e estimula um redimensionamento de perspectiva: eu também posso! Nós podemos! A vitória de Lula impulsiona a superação de limites impostos aos que historicamente estão destinados à subalternidade. Quem imaginaria que houvesse essa latência de possibilidades?

Por Sueli Carneiro

Destaque-se o que a posse representou como fortalecimento da democracia brasileira. A naturalidade com que a transferência de poder foi conduzida, refletindo um desejo de parte a parte de investir aquele momento da mais alta dignidade. E FHC e Lula assim o fizeram.

O discurso do novo presidente reiterou as prioridades e compromissos de campanha e da transição. O pacto social aparece como decisivo para viabilizar as mudanças: reforma agrária, tributária, política, da previdência e trabalhista. Onde há emoção, há verdade e Lula emocionou mais uma vez compartilhando a convicção e a verdade de que ‘‘nós podemos muito mais”. E só quem carrega a identidade de trabalhador poderia conceber-se, como presidente, como o ‘‘servidor público número um do país”. Esse é o resgate efetivo da liturgia do cargo que todos desejávamos.

O ministério empossado é também do jeito que se queria ver. Bonito porque multicolorido, diverso de gênero e raça. Sem dúvida está longe da paridade de gênero e raça que tanto almejamos, mas é muito além do que sempre se teve.

Indica e sinaliza um desejo efetivo de mudança nos limites que a conjuntura apresenta. Com raça e classes. Reconhecimento do emergente protagonismo feminino em áreas tradicionalmente privativas do masculino se expressa nas indicações de Dilma Roussef para a pasta de Minas e Energia e Marina Silva para a pasta do Meio Ambiente. A carência social nas mãos de quem a conhece, Benedita da Silva! A possibilidade de sermos gestores de políticas das quais somos alvos! Na Secretaria da Mulher, Emília Fernandez, senadora que sempre emprestou o seu prestígio e seu mandato para as causas das mulheres. Para Gilberto Gil, de quem esperamos a doação de sua extraordinária criatividade e ousadia para uma política cultural inovadora, aquele abraço!

Ao ministro do Trabalho, Jaques Wagner, coube a primeira manifestação sobre o tema das desigualdades raciais no mundo do trabalho, uma prioridade que se complementa com a ‘‘obsessão” pelo emprego várias vezes reiterada pelo presidente Lula. Precisamos criar postos de trabalho, mas precisamos remover com a mesma urgência os obstáculos que impedem que os negros possam ao menos disputar as vagas existentes. Cor de pele e textura de cabelo, mais que os atributos de capacitação profissional e escolaridade, têm decidido o destino dos negros no mercado de trabalho. Anima a percepção que o novo ministro parece ter sobre a questão.

Ao presidente que se despede, entre outros feitos se terá que reconhecer que foi o primeiro presidente da República do Brasil a admitir que há racismo e uma dívida histórica em relação ao negro brasileiro e que partiram dele os primeiros gestos simbólicos e de políticas públicas que, se tímidas, não deixam de ser uma quebra de paradigma entre a negação ou imobilismo com que se trata o tema na sociedade. Isso não esqueceremos. Do novo presidente espera-se o aprofundamento radical das políticas de combate à desigualdade racial. O discurso de posse passou ao largo do problema, mas as mudanças necessárias e urgentes tão enfatizadas pelo presidente Lula terão que confrontar essa dimensão de nossa realidade se se pretendem de fato mudanças.

Entre as minhas muitas idiossincrasias, sou mística e supersticiosa. Bruxos de diferentes filiações alertam o novo presidente para o risco de ele ser vítima do fanatismo de seus admiradores. Por via das dúvidas, presidente, atenda a seus seguranças! E nos poupe do estresse de ficar à beira de um ataque de nervos ao vê-lo na iminência de ser tragado pela multidão.

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