Sete mulheres que fizeram diferença pelos direitos humanos no Brasil

Desde a defesa pela descriminalização do aborto, a luta pelos direitos dos indígenas e pessoas LGBTQIAP+, até o combate ao racismo através da literatura são algumas das ações que as mulheres desta lista fizeram

FONTEPor Humberto Tozze, da Revista Marie Claire
Eleanor Roosevelt, então presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (Foto: United Nations Photo Library)

“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Você já deve ter lido ou escutado essa frase em algum momento. É com ela que se inicia a Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, três anos após a criação da mesma instituição.

As atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial tornaram urgente um acordo de paz entre as nações, além de reafirmar os fatores fundamentais para que todo e qualquer ser humano pudesse ter uma vida com dignidade. Foi a partir desse entendimento, que deveria ultrapassar as fronteiras e diferenças culturais, que a ONU nasceu. E a partir da data da publicação do acordo, 10 de dezembro de 1948, que se criou o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Com o tempo, a noção de direitos humanos foi ampliada e também problematizada, uma vez que o primeiro esboço, por tratar da ideia de um ser humano universal, não levava em conta as especificidades dos povos e suas histórias, como o colonialismo, a escravidão e o racismo estrutural.

Outro aspecto reforçado na Declaração e ampliado nas décadas seguintes é a luta pela igualdade de gênero, o que inclui o maior acesso à educação, à saúde, a participação na vida política e o fim dos mais diversos tipos de violência contra a mulher.

O empenho nesse sentido está longe de chegar ao fim. No Brasil, a violência de gênero ainda é um forte marcador na realidade das brasileiras. Apenas em 2019, foram 1.326 casos de feminicídio no país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

No primeiro semestre de 2021, foram 666 casos, ou seja 4 por dia. No mesmo período ocorreram também 26.709 casos de estupros. Os números levam a crer que o Brasil pouco andou para garantir que mulheres possam viver com dignidade, liberdade e segurança.

Na data de hoje, 10 de dezembro, celebramos 7 mulheres que fizeram diferença pelos direitos das mulheres no Brasil.

Debora Diniz

Debora Diniz é antropóloga e professora da UnB (Foto: Arquivo pessoal / Agência Pública)

A antropóloga e professora da Universidade de Brasília, Debora Diniz precisou abandonar o país em 2018 após ameaças de morte por conta do seu trabalho em defesa da descriminalização do aborto. Naquele mesmo ano, Debora participou de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) onde fez um emocionante discurso sobre devolver à mulher o direito de decidir sobre o próprio corpo. A decisão da corte deveria ser amparada em evidências científicas e não opiniões populares sobre um tema controverso. “Uma mesma mulher que possa responder que é contra o aborto numa pesquisa de opinião pode ter feito um aborto em algum momento da vida”, disse na ocasião.

Maria da Penha

Maria da Penha (Foto: Divulgação)

A farmacêutica bioquímica Maria da Penha quase perdeu a vida em mais de uma ocasião antes que o Estado brasileiro fosse forçado a tomar medidas de proteção a mulheres vítimas de violência doméstica.

O ex-marido Marco Antonio Heredia Viveros passou a agredi-la pouco depois de se casarem em 1976. A primeira tentativa de feminicídio foi em 1983. Ele atirou em Maria da Penha enquanto ela estava dormindo. Como consequência, ela tornou-se paraplégica. O ex-companheiro, no entanto, afirmou à polícia que foi uma tentativa de assalto na residência do casal.

Após quatro meses, ele a manteve em cárcere privado e tentou eletrocutá-la durante o banho. Passaram 8 anos até que o crime fosse julgado e ainda assim Marco Antonio permaneceu em liberdade diante da possibilidade de recorrer.

O caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), em 1998. E até 2001 o Brasil permaneceu omisso sobre a questão. E naquele ano foi responsabilizado internacionalmente por isso. Foram mais cinco anos até que nascesse a Lei Maria da Penha, fruto de muita resistência e coragem por parte da mulher que dá nome a essa legislação.

Joenia Wapichana

Joênia Wapichana (Foto: Divulgação)

Joenia Wapichana da comunidade indígena Truaru da Cabeceira, região do Murupu, de Boa Vista (RR) foi a primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal no país, pelo partido Rede Sustentabilidade.

Contudo, sua trajetória impressiona desde o ponto de partida. Em 1997 formou-se em direito pela  Universidade Federal de Roraima (UFRR) e então passou a oferecer assistência jurídica pelo Conselho Indígena de Roraima – CIR. Levou sua luta pelo meio ambiente e pelos povos indígenas para fora do país, participando até mesmo de discussões na ONU sobre a Declaração dos Direitos Humanos da ONU. E em 2004 foi até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciar violações de direitos humanos contra os povos indígenas.

Em 2008, participou de um momento emblemático, quando realizou uma sustentação oral no STF pela demarcação das terras em Raposa Serra do Sol, em Roraima. Mais uma vez, foi a primeira indígena a falar na mais alta corte do país. No fim de 2018 tornou-se uma das vencedoras da 10ª edição do Prêmio das Nações Unidas de Direitos Humanos.

Amelinha Teles

Amelinha Teles, sobrevivente da ditadura militar do Brasil (Foto: Imagem retirada do site Marie Claire)

Nessa lista não poderia faltar a Amelinha Teles, por sua atuação de resistência durante a ditadura militar e, nos anos pós-redemocratização, pelo resgate da memória e da verdade sobre os desaparecidos e mortos políticos.

Ela foi integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva e da Comissão da Memória e da Verdade da Prefeitura de São Paulo (CMV). Nascida em Contagem, Minas Gerais, desde muito jovem se envolveu na militância. Foi presa em 1964 e 1972.

Nesse segundo momento, permaneceu 10 meses enclausurada, passou pelo DOI-Codi/SP e foi submetida a sessões de tortura na frente dos filhos, Edson e Janaína, com 4 e 5 anos na época. Foi torturada pelo major do exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, contra quem moveu uma ação declaratória e que o tornou o primeiro agente reconhecido como torturador em 2008. Durante os anos de ditadura integrou o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Sempre se afirmou enquanto mulher feminista e fez parte do Jornal Brasil Mulher. Chegou a se manifestar sobre o papel das mulheres na luta contra o autoritarismo do Estado. “A tortura, a prisão e o tratamento dos militares em relação a nós ensinaram o quanto a gente era importante. Os militares tinham muito medo de nós, achavam que éramos muitas – e nem éramos tantas assim. Eles não entendiam como muitas mulheres podiam participar da luta armada.”

Conceição Evaristo

Conceição Evaristo (Foto: Cleiby Trevisan)

Conceição Evaristo, nascida na extinta favela Pindura Saia, em Belo Horizonte (MG), fez da literatura seu campo de luta pela valorização da cultura negra.

Doutora em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense, iniciou a carreira como professora da rede pública e sempre foi apaixonada pelas letras. Começou publicando seus textos, na década de 90, nos Cadernos Negros. Seu primeiro romance, Ponciá Vicêncio, foi publicado em 2003. Nele, trata de questões como racismo e discriminação de gênero.

As relações de gênero voltaram a ser retratadas na obra Insubmissas lágrimas de mulheres, de 2011. “Minha literatura só toca as pessoas porque ela tem sabor de vida”, disse durante a Ocupação Conceição Evaristo, no Itaú Cultural, em 2017. Seu trabalho enquanto autora foi reconhecido tardiamente e recentemente foi esnobada pela Academia Brasileira de Letras.

Na ocupação do Itaú Cultural foi retomado um projeto da escritora dos anos 90, o Cartas Negras, em que trocava correspondências com outras autoras, onde falavam sobre racismo, machismo e solidão.

Débora Silva Maria

Débora Silva Maria, fundadora do movimento Mães de Maio (Foto: Reprodução/Alesp)

Motivada pela tristeza e revolta após seu filho, o gari Edson Rogério Silva dos Santos, com então 29 anos, ser assassinado por policiais, Débora juntou-se a outras mães que perderam seus filhos na chacina que ficou conhecida como Crimes de Maio e que ocorreu em na Baixada Santista, em São Paulo, em maio de 2006.

O episódio, marcado pelo terror, terminou com pelo menos 564 mortes, segundo levantamento da Universidade Harvard. Os assassinatos, promovidos por militares e paramilitares ocorreram como “resposta” aos ataques do Primeiro Comando da Capital. É até hoje considerada a maior chacina do país.

Débora soube da morte do filho ao escutar um programa de rádio. A missão das Mães de Maio é lutar contra a impunidade e a violência policial, que historicamente atinge a parcela negra e periférica da população. Recebeu diversos prêmios e foi reconhecida pela sua mobilização. Em 2013 o governo do estado de São Paulo estabeleceu o 12 de maio como o Dia das Vítimas do Estado Terrorista brasileiro, em memória aos mortos e também à luta das Mães de Maio.

Indianarae Siqueira

Indianarae, a fundadora da CasaNem (Foto: Larissa Kreili)

A ativista trans Indianarae nasceu no município de Paranaguá, no estado do Paraná, em 2015 fundou a importante CasaNem, um centro de apoio e acolhimento de pessoas LGBTQIAP+ que estavam sem abrigo ou eram alvos de violência dos próprios familiares, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro.

Uma das premissas do seu trabalho era garantir autonomia dos atendidos. Então, em 2016, Indianara começou a iniciativa PreparaNem, cursinho preparatório para mulheres trans e travestis para o ENEM. Sua história foi retratada no documentário “Indianara”, que chegou até mesmo ser exibido no Festival de Cannes, na França. Por conta de seu ativismo e trabalho de denúncia, sofreu ameaças de morte

Sueli Carneiro

Sueli Carneiro (Foto: Caroline Lima)

Há mais de 30 anos, a filosofa e escritora Sueli Carneiro, nascida em São Paulo, fundou a primeira organização negra e feminista, Geledés – Instituto da Mulher Negra. Passou a se empenhar integralmente na luta contra o racismo de diversas formas, seja pela denúncia, parceria com organizações para apoiar pessoas vítimas de violações de direitos e também na formação de agentes multiplicadores.

O primeiro projeto do Geledés foi o Geledés: SOS Racismo, que oferecia assistência jurídica para pessoas que sofressem discriminação racial. Sueli é também uma grande articuladora de ideias e de conhecimento. É por isso conhecida como uma das precursoras do feminismo negro no país. Tem uma trajetória acadêmica estelar.

Sueli, assim como outras mulheres dessa lista, também pisou na mais alta corte do país, em 2010, em uma audiência pública, para defender a criação de cotas raciais nas universidades. Em 2021 teve sua biografia publicada no livro “Continuo Preta”, de Bianca Santana e exposta na Ocupação Sueli Carneiro no Itaú Cultural.

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