Sindicatos e pesquisadores contestam parecer que pede exoneração de professora

Jacyara Paiva tem apoio de movimentos e lideranças políticas, que demandam atuação da reitoria da Ufes no caso

FONTEPor Fernanda Couzemenco, do Século Diário
Foto: Sergio Cardoso/Secom-Adufes

É equivocado o parecer da Procuradoria Federal da Advocacia Geral da União (AGU) que determinou a exoneração imediata da professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Jacyara Paiva e, por isso, o reitor, Paulo Vargas, precisa se posicionar, defendendo a autonomia universitária e a permanência da docente no quadro efetivo da instituição.

O posicionamento é da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes Sindicato Nacional) e da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes), e consta em um manifesto jurídico protocolado na universidade nesta segunda-feira (15), em meio a uma grande manifestação de solidariedade à professora, que reuniu professores, movimentos estudantis e sociais, parlamentares e lideranças da sociedade civil que atuam na defesa das maiorias minorizadas, como mulheres, negros, pessoas com deficiência (PCDs), pobres e LGBTQIAP+.

Foto: Sergio Cardoso/Secom-Adufes

Recebidos primeiramente pela pró-reitora e pela diretora de Gestão de Pessoas da Ufes, Josiana Binda e Cheena Lopes Bahia, respectivamente, os manifestantes obtiveram também a confirmação de uma reunião com o reitor, Paulo Vargas, na tarde desta quarta-feira (17), para discutir o assunto.

A expectativa é sensibilizar o gestor para que apoie a defesa de Jacyara e afirmam que, diante dos fatos apresentados, o reitor tem duas opções: ou ignora o parecer – assinado pelo procurador federal Jorge Gavinho Sobrinho, no último dia 15 de dezembro – e mantém Jacyara em seu quadro de docentes efetivos, ou abre uma sindicância para apurar os responsáveis pela contratação supostamente irregular da mesma.

“A Ufes tem o poder de manter a servidora Jacyara Silva de Paiva nos quadros da Universidade, considerando que não há qualquer determinação judicial que determine a sua exoneração”, afirma o documento. Mas, caso o reitor decida seguir o parecer, “necessário será apurar a responsabilidade direta de cada um dos membros da Procuradoria Jurídica da Universidade, na medida em que, nessa hipótese, permitiram a percepção indevida de remuneração de pessoa estranha ao quadro da casa, segundo seu próprio, e equivocado, entendimento”, contrapõe o manifesto jurídico dos sindicatos.

Interesse público

As incoerências expressas no parecer também são denunciadas pelo núcleo jurídico do Fordan, programa de Extensão e Pesquisa da Ufes. “O parecer contraria princípios básicos da administração pública, em especial, o interesse público e o princípio do venire contra factum proprium, que proíbe a atuação contraditória do ente público”, afirmam os advogados Arthur Bastos Rodrigues, Layla dos Santos Freitas e Cristiana Riberiro da Silva, e a coordenadora-geral do programa, a professora da Ufes Rosely da Silva Pires.

“Em relação ao melhor interesse público, destaca-se que a docente Jacyara Silva de Paiva tomou posse em 2017, exercendo de maneira contínua e compromissada suas funções de ensino, pesquisa e extensão, além de relevante trabalho perante o Movimento Negro a Comissão da Validação da Autodeclaração Étnico-Racial desta mesma Universidade. Um possível desligamento da professora Jacyara, portanto, representa a perda de um quadro importante dessa Universidade, uma vez reconhecida por suas alunas e alunos, professoras e professores e demais colegas de trabalho por sua atuação universitária, o que, obviamente, contraria o princípio do melhor interesse público”, alegam.

Foto: Sergio Cardoso/Secom-Adufes

Sobre a contradição em que a Ufes pode incorrer, caso prossiga com a exoneração, a denúncia se remete ao pedido feito em 2018 pelo então Reitor, Reinaldo Centoducatte, à própria Procuradoria, para que não mais recorresse do processo judicial aberto pela professora Jacyara em 2017 e que resultou em sua contratação, após vitória da professora em primeira instância, pois era de interesse da universidade mantê-la em seu quadro docente.

O parecer, afirma o Fordan, “evidentemente contraria a decisão já tomada pela própria Universidade, que anteriormente já tinha decidido pelo interesse na sua posse e sua manutenção no quadro docente”.

Um agravante, acrescenta, é a demora essa manifestação contraditória da procuradoria, “após cinco longos anos da posse”, período em que “o desenvolvimento do trabalho de ensino, pesquisa e extensão já [se encontra] bastante consolidado, em prol do interesse público e da relevância social da universidade pública”.

A professora e vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Fordan, Carla Appolinário, explica que o parecer da AGU desconsiderou o contexto administrativo em que o caso está inserido e fez uma análise jurídica equivocada da decisão do TRF-2.

“A sentença afirma apenas que ela não tem ‘o direito líquido e certo’ de ser contratada pela Ufes, mas não afirma em momento algum que ela precisa ser exonerada. O procurador também precisa considerar as questões administrativas, a autonomia universitária”, diz, acrescentando que talvez a docente já possua até mesmo estabilidade no serviço público, considerando que sua contratação aconteceu há mais de seis anos.

Abaixo-assinado

Jacyara atua desde 2017 como docente no Centro de Educação da Ufes, além de se destacar na defesa dos direitos desses segmentos marginalizados da sociedade dentro da universidade. É exatamente esse trabalho, acreditam as entidades mobilizadas, a motivação para a tentativa de sua exoneração, conforme denunciam em suas redes sociais e no abaixo-assinado aberto em apoio à professora.

Ela mesma, ao observar o cenário, aponta possíveis motivos. “Fiquei me perguntando a quem interessa o meu desligamento da Ufes? Por que esse desligamento foi solicitado em 28 de dezembro, às 18h29, em plenas férias. Por que essa coisa tão abrupta ocorre? Esses questionamentos ficam, com o aviso de que nós não vamos aceitar isso passivamente, porque não é só sobre Jacyara, é sobre a presença do povo negro dentro dessa universidade que, até hoje, desde 2014, não cumpre a lei de Cotas. Ao invés disso, a universidade faz o movimento contrário, colocando para fora o povo negro? Essas questões ficam em nossa mente e a nossa luta pela permanência do povo negro nas universidades públicas brasileiras continua”, pondera.

Até o fechamento desta edição, a petição já somava mais de 3,8 mil assinaturas. Entre elas, destaca a Adufes e a Andes, estão nomes como “Ailton Krenak (líder indígena e Imortal da Academia Brasileira de Letras); André Moreira (vereador Vitória PSOL); Antonio Gonçalves Filho (UFMA, ex-presidente Andes-SN); Camila Valadão (deputada estadual PSOL), Carla Akotirene (UFBA); Dermeval Saviani (Unicamp); Eblin Farage (UFF, ex-presidenta Andes-SN); Fabiano Contarato (senador PT); Iriny Lopes (deputada estadual PT); Jack Rocha (deputada federal PT); Marise Ramos (Uerj); Padre Kelder Brandão (Vicariato para a Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória); professora Célia Tavares (PT Cariacica); Roberto Leher (UFRJ, ex-presidente Andes-SN e ex-reitor da UFRJ); Sueli Carneiro (filósofa, escritora e ativista antirracismo); e Zélia Amador de Deus (UFPA)”.

Foto: Sergio Cardoso/Secom-Adufes

Histórico

Conforme explicam as entidades, o caso teve início em 2017, quando Jacyara entrou com um mandado de segurança na justiça – processo nº 0015217-30.30.2017.4.02.5001 –, questionando um edital para concurso docente que a Ufes havia publicado, alegando que ele era ilegal. Ocorre que, em 2013, ela havia sido aprovada em um concurso semelhante, ficando em segundo lugar, e não sendo chamado, pois o concurso tinha apenas uma vaga.

Na ação, ela afirmou que a aprovação lhe garantia prioridade em uma futura contratação, quando uma nova vaga fosse aberta, argumento que lhe garantiu a vitória em primeira instância e a contratação como docente efetiva da universidade.

Depois dessa primeira decisão judicial, tanto ela quanto a Ufes recorreram na segunda instância, no TRF-2 e, logo após, em 2018, ambos decidiram retirar seus recursos, acordo registrado no Memorando 182/2018/GR/UFES.

O processo, no entanto, continuou tramitando no TRF-2, que, seguindo o princípio do “reexame necessário”, reavaliou a decisão de primeira instância e decidiu por “reformar a sentença”. Relator do caso, o desembargador federal Guilherme Di Efenthaeler, afirmou: “denego a segurança pretendida” e seu relatório foi seguido pelos demais desembargadores, em acórdão.

Arthur Bastos explica que ao “denegar a segurança pretendida”, os desembargadores negaram que Jacyara tinha direito “líquido e certo” de ser contratada. Porém, esse entendimento não invalidou a contratação que já havia acontecido. “A decisão dos desembargadores foi no sentido de que a Ufes não é obrigada a contratar a Jacyara, mas também não era obrigada a demiti-la”, reforça.

Na denúncia, o Fordan requer “acompanhamento pelos órgãos do sistema de justiça” e sugere “apresentação de Mandado de Segurança em face do ilegal parecer emitido pela procuradoria, buscando assim, a permanência da docente nos quadros funcionais desta instituição”. 

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