Sobre futilidades que não cabem dentro de uma luta

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Existem mulheres feministas incríveis e que eu sou muito grata(Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Saffioti, Amelinha Teles, Glória Anzaldua, Maria Lugones, Patrícia Hill Collins, Bell hooks, etc.). No entanto, com a popularização do feminismo como nomenclatura, que foi desproporcional a sua importância enquanto prática, bem como pautas, alguns alarmes soam de maneira estridente, embora alguns medos pautados pelos ganhos individuais e não pelo significado inicial e a extrema necessidade da luta, estão sendo silenciados.

Por Joice Berth, no Medium 

imagem: Reprodução/Instagram/joiceberth…

Há rompimentos a serem feitos e eles serão dolorosos. Faz parte do processo de emancipação. Um deles é a insistente dependência da aprovação do macho alfa, de sua opinião, de sua visão, de sua presença, de suas posturas. Eles aliciaram profundamente a mentalidade de muitas mulheres que se posicionam publicamente como feministas. E justamente essas precisam se conscientizar disso. Nenhuma mulher é obrigada a ser feminista. Feminismo é uma luta por emancipação de um sistema que oprime até a morte. Exige muito de quem se coloca nessa posição. Exige muito mais do que proclamar que uma nudez é sinônimo de liberdade, inclusive é bom questionar também o que significa liberdade do corpo. Creio que decidir ostentar nudez não seja exatamente do que estamos falando. Há mulheres que se simpatizam com a luta feminista, respeitam, mas por dúvidas ou autoproteção, não querem assumir esse lugar. Ok. Sem problema nenhum. Há mulheres que abominam, seja por ignorância, seja por medo de romper com diversas crenças que comentaram suas zonas de conforto. Dói sair dela e nem todo mundo tem maturidade para lidar com essa dor, a dor de crescer.

Há mulheres que deram a própria vida em prol da coletividade e carregam o mérito póstumo ou não por diversos direitos dos quais gozamos hoje. Inclusive o direito de não querer ser feminista. Por isso elas não devem ser criticadas. Devem saber que as “as portas” do feminismo estão abertas a elas. Mas as que adentram por essa porta precisam entender, que fervo não é luta. Estudo é luta. Reflexão que pauta ação é luta. Vivência que se transforma em ação aplicada a realidade é luta.

Eis que muitas vezes me deparo com frases soltas, jargões cínicos e confusos que distorcem ideias que precisaram de diversos livros, centenas de páginas, milhares de palavras e anos de pesquisa e discussão para serem entendidos e servirem de instrumento de luta.

O assédio é um caso clássico. Quantas distorções os inimigos declarados do feminismo empregam, com o intuito de proteger seus privilégios e manter seu domínio sobre nossos corpos? Quantas feministas estão se dispondo a discutir as definições de maneira didática e definitiva, para que meninas e mulheres que decidem adentrar o feminismo, não se confundam?

“ Não me elogie insultando outras mulheres”. Essa é a frase que circula por bocas de feministas, majoritariamente brancas, ensaiando uma contestação falaciosa que mais significa a permissividade das violências masculinas do que uma defesa coletiva dos interesses das mulheres. Ora, como pode um homem elogiar uma insultando outra? Onde cabe aqui outra falácia do feminismo branco, a famigerada ‘campanha’ #mexeucomumamexeucomtodas ?

Não cabe. Porque esse jargão por si só é uma contradição vergonhosa e que vai na contramão de tudo que precisa ser entendido sobre assédio e suas ramificações. O que salta disso é a dependência egocêntrica que mulheres brancas têm da aprovação masculina. Não é necessário dizer que considera uma forma abusiva de abordagem como um elogio. Tanto não é que o insulto a outra mulher vem logo na sequência. A objetificação como prática machista, funciona diferente para mulheres brancas, negras, indígenas e LGBTs. Para mulheres negras é explícita a violência, porque sendo considerada “de segunda linha” ou aquela que não é para apresentar para a família, não precisa do “cortejo”. Para mulheres brancas, sempre tem um apelo emocional, uma sutileza e um estímulo a vaidade nos moldes patriarcais que, faz com que muitas caiam. Mas estamos em 2018 e já passa da hora de se questionar o porquê é tão importante enfatizar primeiramente o (falso) elogio e não se indignar com o assédio óbvio.

A tarefa que o feminismo trás para aquelas que se posicionam assim e inclusive, se permitem ocupar posições de exemplo ou influenciadora, é romper com a síndrome de cinderela ou o complexo de miss secundarista, o lugar indesejável da desejada. Porque tudo faz parte da alienação que o sistema patriarcal utiliza como ferramenta de proteção ao privilégio masculino.

Ou não rompa com nada, isso também deve ser um direito. Mas não se imponha como símbolo de luta, pois ao se colocar nesse lugar, milhares de mulheres e meninas estarão de olho. Grupos oprimidos precisam de referência poucas coisas são tão eficazes quanto a representatividade. Tá aí a televisão que não deixa mentir. Uma avalanche de distorções em diversas pautas raciais, feministas, LGBTs, etc., sendo levadas aqueles que infelizmente só tem a tv como acesso a informação. Resultado é uma onda de atitude de ‘militância’ que mais contribui para afastar do que para aderir novas pessoas, novas idéias. Simpatizar com uma luta social não implica em fazer parte dela. É preciso compreender e entender que nenhuma revolução começa do externo para o interno. É o contrário. Mas sempre temos escolhas, ainda que muitas vezes, possam ser questionáveis.

Nesse caso, a escolha é se assentar confortavelmente( e covardemente) no lugar reacionário de quem gosta de ser o segundo sexo, afinal, não partilha das mesmas agruras que mulheres não brancas e bem nascidas sofrem. A questão de raça e classe, essa sim, cabe como uma luva dentro do feminismo e curiosamente não é pauta.

Nunca vi feministas brancas fazendo recortes a partir da sua condição de mulher branca, ao contrário, em diversos momentos seguem nos acordos silenciosos com homens racistas e machistas, conforme a conveniência pede.

Agora o que não cabe no feminismo, são futilidades individuais que parecem inocentes, mas que complementam de maneira pública e notória com ciclo perverso do sistema que começa assediando e termina matando.

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