Sobre o amor por aquilo que lutamos

FONTEPor Aniella Franco, de Ecoa
Anielle Franco (Foto: Bléia Campos)

No dia 15 de dezembro, quarta-feira à tarde, fui surpreendida com um link em um grupo de amigas negras. A notícia, em inglês, anunciava a morte da escritora e ativista bell hooks. Na hora, fiquei sem chão e quase não consegui mais trabalhar. Horas antes falava com minha família sobre o quanto estava feliz com a proximidade do recesso e de enfim poder fazer minhas leituras pendentes e ficar perto daqueles que amo e que senti ter negligenciado nas últimas semanas tão intensas de trabalho.

Imediatamente fui olhar as marcações dos livros que usei para meu mestrado, que defendi no último mês, onde tratei de questões referentes à memória, ao movimento de mulheres negras. Foi duro ver toda a mobilização das minhas redes, e em especial, das mulheres negras intelectuais que estão ao meu redor, lamentando a morte precoce de uma grande pensadora de nosso tempo e que nos últimos anos havia ganhado notoriedade e se tornado mais popular em nosso país.

A sensação de perda e falta de sentido que o ano de 2021 tem produzido em todas e todos nós é algo que já está dado, e que será difícil de superar. Mas, no lugar de olhar com tristeza para as últimas perdas, decidi reler os trechos que deixei marcados em meus livros, e olhar com carinho para seus ensinamentos e reflexões sobre pensamento crítico, sobre feminismo negro e sobre o amor que temos a nós mesmas, à nossa luta política e àqueles nos cercam e às relações estabelecidas, e em especial, as relações de amizade.

Sobre a amizade, o tempo e as mudanças que ocorrem com o passar dos anos em relacionamentos afetivos, bell hooks, ao tratar de sua relação com uma amiga, nos presenteia com um grande ensinamento sobre laços que são constituídos e que apesar do tempo e de conflitos que possam ocorrer, permanecem. Sobre isso ela diz:

A força de nossa amizade foi revelada pela nossa disposição de confrontar abertamente a alteração em nossos laços e fazer as mudanças necessárias. Não nos vemos tanto quanto antes, e não telefonamos uma para outra diariamente, mas os laços positivos que nos unem permanecem intactos.

bell hooks

É dessa forma que penso muitas vezes sobre algumas das relações que construí desde 2018, relações pautadas em valores de solidariedade e afeto profundo, que surgem a partir de um episódio de dor, com a morte da minha irmã, e que durante os anos, e em especial no contexto de isolamento que vivemos na pandemia, se fortaleceram, adaptaram e mudaram profundamente, mas que sempre retomaram seu caminho na busca por acolhimento, por um senso de coletividade que me parece central em todas as minhas relações.

Em seu curto mas grandioso tempo, bell hooks também nos deixou lições sobre o que é ser uma mulher negra, feminista e ativista em tempos tão incertos e duros como o que vivemos hoje, com desafios que vão desde a luta pela emancipação de mulheres e negros, até os desacordos existentes no interior dos próprios movimentos sociais. Sobre isso, bell hooks fala da solidariedade política, para encontrar um ponto de interseção na experiência de grandes mulheres e homens ativistas.

Acredito que em vários momentos do próximo ano irei retornar as lições de bell hooks sobre amor, amizades, ativismo e paixão pela luta que travamos. Enquanto essa urgência não se materializa, tenho apenas a agradecer a essa agora ancestral.

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