Sobre ser mulher preta no metal

The Queens of Marok

 

Paul Shiakallis, “Debbie Baone Superpower” (2014) via Hyperallergic

 “A primeira vez que ouvi rock foi realmente incrível! Eu senti que aquela nova musica e energia era realmente como eu. Lembro de ir dormir e ter sonhos em que eu performava aquelas musicas e visualizava a mim mesma no palco, o que veio depois e está rolando agora. O que sempre me atraiu no rock é a sensação de liberdade que eu poderia – finalmente – ser que eu desejava ser e cantar o que eu sentia no meu coração. Algumas pessoas pretas que eu conheço na indústria da música sentem que nós seríamos mais fortes e mais empoderadxs se estivéssemos numa mesma caixa, mas eu sempre tive em mente o fato de que eu nunca pertenci a nenhum grupo ou cena…”

— Skin, Skunk Anansie [*]

 Por  , do Preta, Nerd & Burning Hell 

LUGAR DO NEGRO E DA NEGRA NO METAL

 

 “Recentemente, (re)descobriram que o Phil Anselmo é racista. Ok. O grande problema é que, quem diz “O heavy metal é racista” como frase de efeito, está ignorando que o ocidente é racista e precisa conhecer o site AFROPUNK. Nem passa pela cabeça dessas pessoas conversar com pessoas negras que fazem parte das cenas de rock, porque esperam que o mainstream abarque tudo que existe sob a face da terra.”

As cenas do rock (em especial a do Heavy Metal) se mostram majoritariamente compostas por uma audiência branca. É uma experiência cotidiana para as pessoas negras a sensação de estar “fora do lugar”, mas a expulsão simbólica do campo que se autoproclama “alternativo” é uma questão que a maioria das pessoas não compreende como expressão do racismo. Fique evidente que, pra mim, é óbvio que existem maneiras de estar no espaço e, por isso, ser uma pessoa negra no metal por si só não significa fugir dos estereótipos. Com isso, enfatizar a importância de se questionar sempre. A questão que os espaços brancos fazem sobre o que estamos fazendo “ali” define a fronteiras dos paradigmas (as “certezas universais”), o que você deve ou não gostar/fazer/saber e a performance (assim como academicismo e a #nerdiandade). Pense se:

  • [Fora da cena] Já afirmaram que você deveria estar sambando em vez de tocar guitarra (?), afinal nunca viram uma mulher preta tocando guitarraAfinal só veem meninos brancos roqueiros passando por aí. [ou seja, “não é som de preto”… Ok, nunca ouviu falar da Sister Rosetta Tharpe].
  • [Dentro da cena] Já fizeram um quiz sobre bandas, músicas e estilos para testar seu conhecimento e (?) assim, oferecerem (?) uma carteirinha de Oh, Jesus! AGORA VOCÊ PODE SER UMA rock n’ roll Black Woman. 

O choque entre aquela sensação enérgica de liberdade que o rock proporciona e a invisibilidade das mulheres Negras neste universo é parte dum processo de construção e fortalecimento da consciência identitária. Esse choque evidencia duas ausências: negros e mulheres, daí as pessoas, curiosamente, acharem apenas algumas mulheres que são ambas as categorias. Como adolescente, provavelmente primeiro chegam as bandas nacionais ou não, compostas por homens brancos, depois mulheres brancas, depois a banda com um negro até chegarmos àquelas que realmente expressam nossas visões de mundo com toda a intensidade que desejávamos encontrar. Essa é a minha trajetória e de muitas outras, a ponto de ter sido o mote do livro da estadunidense Laina Dawes que escreveu o aclamado What Are You Doing Here? (sem tradução). Embora haja uma diferença política, performática e discursiva nas cenas punk, metal, hardcore e gótica, sem dúvidas, podemos considerar que nenhuma delas consiste em lugares de pertencimento e de conforto para pessoas negras, mas estão no balaio da chamada contracultura e desafiam certas regras sociais, políticas e estéticas. Essa estética do desconforto é o que une tais cenas e, portanto, opto por não enfatizar as diferenças. Sem dúvidas, elas são cunhadas sob signos brancos que apagam a história que relaciona os ritmos à “música negra” como o Jazz, Blues e o Country, tanto que chamam de Black Metal ama vertente mais reacionária, conservadora, que fala de temas nórdicos e é usualmente racista; Eles chamam de White Metal o rock cristão, “bonzinho” e “positivo”.

A SURPRESA NO BURNING HELL
Contra esses discursos de surpresa sobre sermos Negras e ouvirmos rock, temos artistas Negras que são imagens irrevogáveis da versatilidade e do pertencimento histórico das mulheres Negras nas cenas extremas. Podemos ter em vista que a condição de injustiça social, racismo e preconceitos que são interpretado erroneamente senão silenciados motivam uma raiva constante que precisa ser externalizada por meio da arte, como vemos na imagem 2. Essas mulheres são referências importantes em que podemos nos ver existindo, assim como o ensaio Leather Skins, Unchained Hearts  do fotógrafo Paul Shiakallis (imagem 1) que mostra mulheres do Botsuana com vestes associadas à cena do metal bem como encarnando uma personalidade queer em busca de expressar suas sensações, perspectivas sobre a sociedade em que estão inseridas e o mundo.

Surpreender-se com essa multiplicidade de performances evidencia a total ignorância sobre o poder de expressão nesse mundo hostil. Embora o rock tenha sido criado por negros existe uma demanda conservadora de impedir o acesso, a identificação e a apropriação do som e de certo modo de ser, vestir e se comportar. Mundo do rock, embora “contracultural”, é adepto das “credenciais”. Isso é tão naturalizado entre nós que nem me surpreendo mais quando uma pessoa negra pergunta o sentido de eu ouvir “isso”.

NEGRITUDE, METAL E BURNING HELL

A lista de Samuel Coutinho que contém cinco mulheres Negras do rock consiste em nomes de musicistas metálicas das mais diversas vertentes do rock que misturam suas influencias e experiências pessoais para produzirem um contra imaginário sobre o lugar da mulher no universo de padrões brancos. Abaixo, repetirei a lista de Coutinho acrescentando alguns nomes e ocultando os nomes já citados no nosso post E som de preta é o que?

    • Tamar Kali

Militia Vox: (JUDAS PRIESTESS/Swear on Your Life)

Alexis Brown (Straight Line Stitch)

Diamond Rowe: (Tetrarch)

Yvonne Ducksworth

Brittany Howard (Alabama Shakes)

Skye Edwards (Morcheeba)

Skin (Skunk Anansie)


NOTAS[*]  Tradução nossa de trechos VIA http://www.bazillionpoints.com/shop/black-women-in-heavy-metal/?show=slide

trecho 1:
“The first time I heard rock music it was really exciting. I felt that this new music and vibe was really me. I remember going to bed and having dreams that I was performing this music and visualizing myself on stage, way before it actually happened… What always appealed to me about rock music is the feeling of freedom, that I could finally be who I wanted to be and sing the music that I felt in my heart. Some black people that I met in the music industry felt that we could be stronger and better empowered if we all stayed within in the same box, but I had always relished the fact that I never belonged to any cliques, or any scenes” – Skin, Skunk Anansie

trecho 2:
“I wanted to find other black women like me: metal, hardcore, and punk fans and musicians that were rabid about the music and culture and adamant about asserting their rightful place as black women within those scenes. I wanted to find other women who put aside the cultural baggage that dictates that we must listen to certain musical styles, and simply enjoy the music that influenced us, not just as black women, but as individuals who grew up in an era when, thanks to technology, a large variety of music is accessible and available to everyone. I found many black women and have shared their stories, but I also realize there is still a lot of work to be done.” — Laina Dawes 

TEXTOS CONSULTADOS

COUTINHO, Samuel. Mulheres Negras: confira algumas que sabem fazer rock. Disponível em: <whiplash.net/materias/curiosidades/164185.html>. Acesso em 8 jan. 2016
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DAWES, Laina. Entrevista concedida ao Vice. What Are You Doing Here? Laina Dawes Talks About Being the Odd Black Girl Out in MetalDisponível em: <www.vice.com/read/what-are-you-doing-here-laina-dawes-talks-about-being-the-odd-black-girl-out-in-metal>. Acesso em 8 jan. 2016.
MIRANDA, Igor.O heavy metal não é apenas racista – é intolerante no geral – <www.geledes.org.br/o-heavy-metal-nao-e-apenas-racista-e-intolerante-no-geral/#ixzz3zWnnn5Hp>

Sobre a Autora: ANNE CAROLINE QUIANGALA

Idealizadora do blog Preta, Nerd & Burning Hell. Uma das poucas fãs da série Birds of Prey. Só tem itens da DC, mas é marvete.

 

 

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