Sociedade Protetora dos Desvalidos completa 192 anos com desafio de manter legado

Entidade sediada em Salvador que ajudava pessoas escravizadas a conseguir alforria tenta se aproximar dos jovens

Sociedade Protetora dos Desvalidos comemora aniversário de 192 anos com o desafio de manter relevância social e contiuidade de legado - Hugo Martins/Fundo Baobá

A última semana foi de celebração aos 192 anos da Sociedade Protetora dos Desvalidos (SPD), em Salvador. A mais tradicional organização civil antirracista brasileira se aproxima do seu segundo centenário com o desafio de manter relevância social, fortalecer a gestão institucional e renovar seu quadro de associados para manter o legado vivo.

Fundado na capital baiana em 16 de setembro de 1832 por Manoel Vitor Serra, um negro africano liberto, a SPD tem como marco histórico a luta contra a desigualdade e a discriminação racial por meio de ações filantrópicas, apoiando pessoas escravizadas a conseguirem alforria e dando suporte a membros que ficassem desempregados.

No domingo (22), a entidade formalmente nomeada de Associação Protetora dos Desvalidos reuniu cerca de cem pessoas entre associados, doadores e simpatizantes para comemorar mais um ano e oficializar a posse de nova diretoria.

Quadros mostram organogramas com membros históricos da Sociedade Protetora dos Desvalidos, como Luís Gama e José do Patrocínio – Jonas Santana/Folhapress

Neilto dos Santos Barreto, 75, atual presidente da assembleia geral, conta que o objetivo de seu mandato de três anos é modernizar a entidade tanto na questão técnico-administrativa quanto na ampliação no número de associados. Essa meta passa pela aproximação com a juventude.

Como exemplo, a SPD tem uma casa no bairro de Brotas onde abriga estudantes africanos que estão matriculados em universidades em Salvador. A conexão com os jovens também acontece por meio de encontros com atividades culturais, educacionais e até esportivas.

Lígia Margarida Gomes, presidente do diretório administrativo da SPD, diz que o processo de renovação é um desafio em um contexto em que os membros históricos da instituição ainda são resistentes a ampliar seu quadro. Ela pertence à entidade há dez anos e foi a primeira mulher a se tornar presidente.

Para se tornar um associado, tradicionalmente o indivíduo deve ser indicado por um outro membro. Nos últimos anos, com a proposta de modernização, foi criado outro método que se baseia no preenchimento de um formulário online. Em ambos os casos, a aprovação de um novo associado passa por uma avaliação da assembleia.

Entrada da sede da Sociedade Protetora dos Desvalidos, no bairro do Pelourinho, em Salvador – Jonas Santana/Folhapress

Pessoas brancas também podem se associar, desde que na sindicância seja constatado que se trate de um simpatizante dos ideais da entidade. Os atuais membros brancos, menos de 5% dos associados, como conta Barreto, são do meio acadêmico.

A Sociedade Protetora dos Desvalidos que já teve Luiz Gama e José do Patrocínio como associados é mantida atualmente a partir de doações, aluguéis de seus mais de 19 imóveis espalhados por Salvador e da mensalidade de seus cerca de 200 associados, sendo 85 ativos.

O grupo atualmente promove atividades com o objetivo de beneficiar pessoas negras em vulnerabilidade, principalmente moradores da região do Centro Histórico de Salvador e viúvas de ex-associados. As ações podem vir tanto da entrega de cestas básicas como o auxílio jurídico gratuito.

A tolerância religiosa é também um dogma defendido pela SPD. Localizada no bairro do Pelourinho, o evento de domingo se iniciou com uma missa católica na capela que fica dentro da sede, como tradicionalmente acontece nas reuniões há quase dois séculos. O ambiente também possui quadros de orixás e o assentamento de Oxum.

Sociedade Protetora dos Desvalidos reune cerca de 100 pessoas para comemorar aniversário de 192 anos – Hugo Martins/Fundo Baobá

Em agosto de 2023, em pleno mês da filantropia negra, a entidade sem o uso de qualquer edital recebeu R$ 500 mil diretamente dos rendimentos do Fundo Baobá, principal fundo patrimonial brasileiro gerido por pessoas negras em favor da equidade racial. A quantia é a maior da história recebida pela SPD e foi aprovada por Sueli Carneiro, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, após ser sugerida por conselheiros da instituição financeira.

A forma como a doação foi feita abriu um precedente de apoio estratégico, segundo Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá. Além de ter impulsionado outras doações à SPD, a parceria tem influenciado no desenvolvimento de um programa para beneficiar mais entidades centenárias negras. “O resgate, a visibilidade e a projeção da SPD reescrevem a história do Brasil”, diz Harvey.

Apesar de o fundo dar autonomia para o uso do recurso doado, Roberta Silva, auxiliar de administração e finanças, explica que há um acompanhamento a partir da premissa de que o principal motivo para o auxílio é o fortalecimento institucional, que envolve desde restauração de objetos à gestão da instituição.

Nova diretoria da Sociedade Protetora dos Desvalidos toma posse em evento de comemoração aos 192 anos da entidade – Hugo Martins/Fundo Baobá

O evento contou com a presença de Ivan Alex Lima, assessor especial do Governo da Bahia. Ele conta que a sede da SPD foi reformada há seis meses a partir do Conder (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia) e que o governador Jerônimo Rodrigues (PT) apoia institucionalmente a partir de solicitação da própria entidade.

O assessor também é associado da entidade há três anos e ressalta a importância do local por proporcionar uma conexão ancestral e também servir de referência para outras organizações. “A SPD não é só entidade-mãe do movimento negro do Brasil, mas também entidade-mãe das organizações sociais brasileiras”, diz.

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