Stephanie Ribeiro: Não vamos sanar o racismo apenas com amor

Será que as pessoas estão confundindo respeito com amor? Nossa colunista aborda essa questão em #BlackGirlMagic

Por STEPHANIE RIBEIRO, da Revista Marie Clarie 

 (Foto: Thinkstock)

Toda vez que o racismo vira pauta na grande mídia, surgem pessoas dizendo que precisamos amar mais os outros para superá-lo. Sempre colocam o amor como solução e, consequentemente, o racismo como sendo um problema de pessoas más. O maniqueísmo do assunto é um dano ENORME para os Movimentos Negros. Afinal, na vida real sabemos muito bem que o racismo é banal e cotidiano no Brasil – sendo assim, se existem mocinhos e vilões, eu tenho plena consciência de que ambos são racistas.

Eu sei muito bem que ninguém quer ser racista, mas evidentemente vivemos numa sociedade tal qual e somos educados socialmente assim – tanto que, até mesmo quando fazemos algo simples como elogiar uma pessoa negra, muitas vezes somos racistas e nem nos damos conta disso. Racismo é estrutural, sistêmico e social. Para entender isso melhor, pense na nossa sociedade como uma árvore: o racismo é como um fungo que está em toda sua estrutura, mas principalmente na sua raiz. Não é enfeitando suas folhas com laços cor de rosa que vamos resolver o que está na sua base e em toda sua estrutura. Então:

Não vamos sanar o racismo apenas com amor.

Não aguento mais as pessoas falando que o amor supera tudo, como se a vida fosse uma comédia romântica. Racismo é violência, racismo é estrutural, racismo é opressão, racismo é vida real num país que escravizou negros africanos por séculos. O amor existe e é importante, mas não é só de amor que precisamos para superar o racismo.

Tenho muita preguiça dessas falas, até porque sou uma pessoa com dificuldades de se socializar e criar laços afetivos. Imagina, então, sair por aí amando todo mundo. Porém, também sou uma pessoa que quer fortemente acabar com a estrutura racista. Para isso, acredito que precisamos enquanto sociedade compreender que não devemos respeitar apenas quem amamos. A palavra talvez seja respeito e não amor. Respeitar as diferenças. Respeitar as escolhas alheias. Respeitar e reparar a sociedade. Respeitar e reeducar. Respeitar a mobilidade social. Respeitar a dignidade dos indivíduos. Isso é o que esse país nos deve.

Eu, enquanto negra, não quero ser amada ou abraçada – e nem quero que façam safari na minha casa tirando fotos da forma como vivo para colocar em álbuns do Instagram, e assim se sentirem melhor com os próprios privilégios. Eu quero respeito. Eu quero a possibilidade de ser vista como um indivíduo. Eu quero que qualquer um me veja como um ser humano. O racismo desumaniza o indivíduo negro e nos animaliza ao pressupor que somos ignorantes, selvagens, inferiores e marginais. Por isso somos socialmente controlados e, inclusive, mortos.

Num país construído nessa base, para não ser racista não basta querer, é preciso se deseducar do que foi aprendido e se reeducar com uma visão antirracista. Para isso, precisamos falar sobre racismo. Todos os dias. E refletir. Ao ter coragem de dizer que o racismo existe, admitir o nosso é o primeiro passo para combate-lo. Falar dos outros é fácil, mas falar das nossas próprias condutas racistas não. Racismo não é coisa de vilão de novela, de pessoas mal amadas ou de gente má: racismo é coisa de gente comum. Gente como a gente. Ao tratar o racismo como um problema pontual de mau-caratismo, ou até mesmo sociopatia, estamos INDIVIDUALIZANDO um problema estrutural que foi criado para a manutenção do privilégio de determinados indivíduos sobre outros, a partir da sua identidade racial.

A gente muitas vezes identifica uma folha doente em uma árvore podre, tira e acha que está tudo bem. Quando a árvore cai em nossas cabeças, não temos mais tempo de agir. Com o racismo fazemos o mesmo: esperamos que um caso que ganhe as mídias para falar do assunto por dois dias nas nossas redes sociais, enquanto nos outros, fingimos que racismo não é um problema nosso e dormimos em paz num país que jovens negros têm 2,5 mais chances de serem assassinados. A gente fala dos racistas como se fossem monstros, bichos papões, pede para colocar na cadeia, fala que mataria e daria na cara. Falamos como se fossem os OUTROS e não nós mesmos.

Estamos acostumados o racista como uma pessoa distante. Mas ele não é! O racista é tanto a pessoa que te ofende e te chama de macaca na sua cara, como aquela que te dá bom dia sorrindo e você acredita que é uma boa pessoa – mas toda noite liga o computador e por meio de um perfil fake chama negros de feios.

Racistas não são monstros, são pessoas que foram condicionadas a serem assim. Há diversas questões, inclusive que leva jovens, mesmo negros, a reproduzirem racismo na internet por meio de gangues para ter visibilidade. A gente reproduz o que nos fere visando aprovação.

Então eu te pergunto: o que eu faço quando a minha vó branca segura a bolsa mais forte quando vê um jovem negro na rua? Mando prender? O que eu faço com a minha tia-avó que condenou o casamento da minha avó e cortou relações com ela, pois ela estava colocando um NEGRO na família? Mando matar? O que eu faço com as ofensas que eu escutei de primos e familiares, gente que eu ABRAÇO e AMO. O que eu faço? E porque o amor dessas pessoas por mim, uma mulher negra, não fez elas quererem mudar toda a estrutura racista? Não fez elas deixarem de serem racistas? O racismo é muito mais complexo que nossos laços afetivos.

Ser de família inter-racial é abraçar racista todo dia. E nem me digam que isso é mentira: eu sei muito bem como os laços familiares são. Eu sou a negra BOA, a negra que merece ser DEFENDIDA. Mas há vários outros negros no mundo que não têm laços de sangue. Esses a gente ofende, a gente tem medo, a gente fala bobagens sobre no Facebook.

O racismo é o mesmo e eu não perdoo racistas – mas, inclusive, amo muito alguns.

 

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