“Sueli Carneiro contribuiu para a restituição de nossa humanidade”, diz a filósofa Djamila Ribeiro

FONTEKátia Mello
Foto Gabo Morales – TRÉMA

Djamila Ribeiro é uma das maiores feministas negras da contemporaneidade no país. Mestre em Filosofia Política e autora de dois best sellers, Quem tem medo do feminismo negro? (2018) O que é lugar de fala? (2017), agora Djamila faz um tributo a Sueli Carneiro, uma das diretoras do Geledés – Instituto da Mulher Negra e ícone da luta contra o racismo e sexismo, ao lançar um selo com seu nome.

O primeiro livro deste selo é Sueli Carneiro: Escritos de uma obra, com lançamento previsto no SESC Pompeia, em São Paulo, na próxima terça-feira 4, às 19h30. Com prefácio da ilustre escritora Conceição Evaristo, o livro reúne uma série de artigos escritos anteriormente por Sueli – um resgate essencial da pensadora e de suas posições sobre temas relevantes à população negra, em especial às mulheres negras.

Nesta entrevista à coluna Geledés no debate, Djamila contou que conheceu Sueli na Casa da Cultura da Mulher Negra, uma organização não governamental santista, onde estudou temas relacionados à raça e gênero. Segundo Djmilia, a ideia do selo “é publicar autoras negras latinas e caribenhas para contribuir com o rompimento do epistemicídio, conceito que Sueli Carneiro utiliza muito”.

Foto Gabo Morales – TRÉMA

Geledés – Como conheceu Sueli Carneiro e qual influência de sua literatura em sua vida?

Conheci Sueli Carneiro quando trabalhava na Casa de Cultura da Mulher Negra, em Santos. Uma organização santista que promovia pautas referentes às mulheres negras e dava assistência a mulheres vítimas de violência doméstica. Havia uma biblioteca lá e conheci ali alguns trabalhos de Sueli. Tempos depois, participei de um treinamento de mídias para ONGs, dado pelo Geledés. Ali, quando eu tinha por volta de 20 anos, pude conhecer Sueli Carneiro pessoalmente. Tê-la conhecido influenciou minhas escolhas acadêmicas, me senti representada. Foi um divisor de águas.

“Sempre generosa com as novas gerações, Sueli nos mostra o quanto o afeto é revolucionário”.

Geledés – Como surgiu a ideia de criar o Selo Sueli Carneiro e com qual propósito?

A ideia de criar o Selo surgiu do meu incômodo em ter tido muita dificuldade em estudar intelectuais negras na faculdade; o quanto ainda essas produções são invisibilizadas no meio acadêmico. O objetivo do Selo é publicar autoras negras latinas e caribenhas para contribuir com o rompimento do epistemicídio, conceito que Sueli Carneiro utiliza muito. Dar o nome dela ao Selo é em reconhecimento a seu legado, a tudo o que fez para que mulheres como eu pudesse sonhar.

Geledés – Qual considera ser o maior legado de Sueli Carneiro para o país?

Difícil enumerar, mas penso na luta por políticas públicas para a população negra, em fundar uma organização, cujos projetos mudaram a vida de jovens e mulheres. Sueli Carneiro contribuiu para a restituição de nossa humanidade.

“Sueli representa o que Lélia Gonzalez dizia: a gente não compartilha só dor, mas também legado de luta.”

Geledés – A própria Sueli Carneiro recentemente discorreu sobre a força das jovens líderes negras. Disse que há cerca de 20 anos as procurava e que hoje estão aqui. O que Sueli representa para essa nova geração?

Representa o que Lélia Gonzalez dizia: a gente não compartilha só dor, mas também o legado de luta. Ela nos inspira a seguir por caminhos já trilhados e a construir novos. Sempre generosa com as novas gerações, nos mostra o quanto o afeto é revolucionário.

Geledés – Conceição Evaristo  costuma dizer que o problema não é escrever, mas publicar. Qual, então, a relevância para a população negra, em especial as mulheres, de reativar nesse livro a memória dos vários enfrentamentos contra o racismo e sexismo em distintos momentos da história do país, incluindo a morte de Marielle?

Conceição Evaristo, que assina o prefácio do livro de Sueli, é uma grande inspiração. Reativar a memória desses enfrentamentos é crucial para que as novas gerações entendam que “nossos passos vem de longe”. Que é preciso respeitar e reconhecer um legado. Honrar quem veio antes é garantir o futuro.

“É preciso respeitar e reconhecer um legado. Honrar quem veio antes é garantir o futuro.”

Geledés – Entre as frequentes falas de Sueli, que inclusive está no artigo “Tempo Feminino”, escrito em 2000, está a de que para a geração das “velhas militantes” liberdade e igualdade são valores intrínsecos e inegociáveis. Os jovens negros têm esse entendimento?

Penso que alguns jovens negros têm esse entendimento, mas é preciso que mais jovens possam ter. Por isso é tão fundamental reviver os artigos de Sueli, reunir em livro artigos publicados ao longo de sua vida, para que mais pessoas tenham acesso a reflexões tão fundamentais.

“Vejo a passagem de bastão como uma grande responsabilidade. Significa muito trabalho pela frente, coragem, mas com a consciência de que ainda pode faltar muito, mas falta menos graças ao trabalho de mulheres como Sueli.”

Geledés – No mesmo artigo, Sueli coloca uma relevante questão: “realizar a igualdade intragênero, ou seja, equalizar as condições de vida de brancas e não brancas constitui mais uma pendência que as mulheres das novas gerações herdam de nós”. Como vê esse passe de bastão?

Vejo a passagem de bastão como uma grande responsabilidade. Significa muito trabalho pela frente, coragem, mas com a consciência de que ainda pode faltar muito, mas falta menos graças ao trabalho de mulheres como Sueli.

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