SUS não é só “plano de saúde” para pobre; saiba qual é o papel dele no país

FONTEECOA, por Carlos Madeiro
Imagem: Marcelo Casal Jr / ABR

Um dos maiores patrimônios do povo brasileiro completou 30 anos no último dia 19 de setembro. Estamos falando do SUS (Sistema Único de Saúde). Muita gente não sabe, mas ele é bem mais que um “plano de saúde” para pobres: ele é fundamental para ações, serviços e políticas públicas na área sanitária.

O debate sobre a importância do SUS foi impulsionado na quarta-feira após um decreto federal (que fora revogado no mesmo dia) autorizar estudos para privatização em UBS (Unidades Básicas de Saúde).

Ecoa falou com especialistas em saúde e políticas públicas para explicar o que está em jogo quando se fala de SUS.

O SUS só atende pessoas pobres?

Além do atendimento médico e hospitalar à população (que pode ou não pagar por serviços), muitos outros pontos compõem o SUS — e eles fazem parte da sua vida. Um bom exemplo são transplantes, que só são feitos por meio do SUS, já que é o poder público quem regula exclusivamente a lista de espera de pacientes.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também está dentro da organização do SUS. É ela quem avalia remédios e vacinas no país, por exemplo. Também cuida de controle sanitário em portos e aeroportos e da água mineral que consumimos.

“Costumo dizer que o SUS está no alimento que a gente come, até para pessoa mais rica do Brasil, a água que a gente bebe. A fiscalização é competência do SUS. Ele está até no ar com a avaliação da qualidade do clima. As vigilâncias sanitária e epidemiológica estão em todos os municípios do país”, diz Fernando Pigatto, presidente do CNS (Conselho Nacional de Saúde).

Como surgiu o SUS?

O SUS é uma conquista vinda do debate que gerou a Constituição de 1988. Ele foi criado pela Lei nº 8080/1990 e passou a oferecer acesso universal e gratuito aos serviços de saúde a toda população. Atualmente 7 em cada 10 brasileiros dependem exclusivamente do SUS para tratamento, segundo dados do IBGE.

Antes da criação do SUS, a política pública de saúde no Brasil era o Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), extinto em 1993.

Ao contrário da universalidade do SUS, ela dava assistência médica apenas aos trabalhadores que contribuíam com a Previdência Social. Até então, a parcela da população que não trabalhava era considerada indigente e dependia de entidades filantrópicas ou beneficentes para ter atendimento de saúde. Não era raro morrer sem assistência.

Como acontece em outros países?

Pigatto lembra que o SUS é o maior sistema de saúde público do mundo e se tornou uma referência internacional. “É um sistema muito avançado por conta do número de habitantes que nós temos, são 210 milhões de brasileiros. Temos outros sistemas universais, mas de países com menos população e que são mais desenvolvidos. A Inglaterra, que sempre tentam comparar com nosso sistema, tem IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] altíssimo. Se pegar o Brasil com todas as suas mazelas e dificuldades, a gente vê que temos um sistema com atendimento à população de forma universal. É algo que é modelo para o mundo, não é por acaso que tenha sido admirado”, diz.

E por falar em sistemas internacionais, ele lembra um debate histórico, dos EUA, onde o sistema de saúde é particular e gera polêmica.

“Não tem uma eleição que não se tenha o debate da forma como eles devem tratar a saúde. A disputa foi o foco de Obama quando era candidato; está sendo agora. Lá tudo é pago; há um sistema de voucher, é verdade, mas quando você entra, começa também a conta. Se o governo não paga, o paciente tem de arcar com débitos altíssimos”, explica.

Como é organizado o SUS?

O SUS é tripartite, ou seja, tem financiamento e gestão federal, estadual e municipal. A cadeia que compõe o serviço de saúde é extensa, que vai do simples ao complexo. Todos os serviços considerados essenciais são oferecidos pelo sistema, independente do custo.

“O SUS abrange desde um atendimento mais simples, como aferir pressão arterial por meio da atenção primária de saúde; até o transplante de órgãos, cirurgias cardíacas, próteses. Ele garante o acesso integral, universal e gratuito”, explica Ana Brito, epidemiologista e pesquisadora da Fiocruz Fundação Oswaldo Cruz) e professora da UPE (Universidade de Pernambuco).

Para chegar a tamanho leque de atendimento é preciso uma organização e uma grande ramificação. “Além do princípio da universalidade, nós temos alguns outros princípios, como a integralidade: todas as pessoas devem ser atendidas desde a necessidade básicas, até as mais complexas. Um outro princípio doutrinário é que toda pessoa é igual perante o SUS e que trataremos de forma desigual os desiguais. E é doutrinário ainda do ponto de vista operacional a regionalização, a hierarquização e a participação popular”, diz.

A atenção básica é a porta de entrada?

Brito conta que a lei orgânica que cria o SUS trata o modelo com base na vigilância em saúde. “Isso quer dizer que ele tem como porta de entrada para todos os serviços a atenção primária de saúde”, diz.

“Esta diretriz do SUS vem sendo prejudicada desde que houve a implementação do teto de gastos, com a Emenda Constitucional 95 —que congelou o financiamento para políticas públicas. Isso vem trazendo uma consequência mais dramática para o SUS, com o agravamento da questão do subfinanciamento. A atividade primária é basicamente bancada pelos municípios, com mais de 80% dos recursos dessa porta de entrada bancado por eles”, avalia.

E se o SUS não existisse?

Um dos debates que mais ocorreram durante a pandemia foi: e se não tivéssemos o SUS? Entre uma fala e outra, a certeza de que a tragédia seria bem maior.

“Mesmo com todo financiamento ainda precário ao sistema, mesmo com toda dificuldade, o SUS fez muito com muito pouco. A gente conseguiu a partir desse sistema proteger a vida das pessoas, fazer atenção, fazer vigilância, e de dar uma resposta na epidemia”, conta Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Ela afirma que não é possível sequer avaliar uma eventual privatização de serviços do SUS em um país onde 150 milhões de pessoas não têm plano de saúde.

“Privatizar seria traduzir tudo isso num balcão de negócios, de comércio, de mercado. A saúde não deve estar nesse modelo porque ela é um bem maior. A gente defende que o sistema seja sempre público para todos, com qualidade, com necessidade de investimento”, explica.

Que mais coisas o SUS faz pela população?

Além de tudo disso, Perez lembra ainda que até a parte da saúde suplementar tem regulamentação pelo poder público. “O SUS é responsável por uma série de ações além da assistência médica ou assistência clínica. Ele é responsável pela atenção à saúde de um modo muito mais amplo, responsável pelas ações e regulação de saúde coletiva, da saúde das pessoas. Inclusive diz limites para os convênios de saúde, que a gente chama de serviço suplementar”, diz.

No caso, ela fala da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que organiza e fiscaliza os serviços ofertados por operadoras particulares.

“Sem contar que ainda temos o nosso PNI (Programa Nacional de Imunização), que é um dos melhores planos de vacinação do mundo. O tratamento de câncer, procedimentos de alto custo —e que muitas vezes o convênio não banca. O SUS o que a gente defende é esse sistema generoso, amplo, com capacidade de resolver problema de todas as pessoas de um país”, finaliza.

Fonte: ECOA, por Carlos Madeiro

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