Teremos sorte em estarmos vivos até a COP30

Montagem com foto de Paulo Pinto/Agência Brasil

Todo começo de ano é a mesma coisa. E eu vou ser repetitiva nesta coluna.  Enquanto escrevo, o Jardim Pantanal, periferia da Zona Leste de São Paulo, está de novo embaixo d’água e com ameaças constantes de remoção, não de garantia de direitos. Enquanto eu escrevo, o Ibura, bairro do Recife, está em alerta com as previsões de chuva. Enquanto eu escrevo, as pessoas correm risco de vida em alguma região vulnerabilizada das cidades brasileiras. Começo esse artigo sem saber muito como organizar as ideias do fim do mundo.

Começamos 2025 assistindo Los Angeles, nos Estados Unidos, queimar descontroladamente, me parece uma imagem perfeita para anunciar que a Terra atingiu seu ano mais quente já registrado em 2024, de acordo com o Copernicus Climate Service da Comissão Europeia, o Met Office do Reino Unido e a agência meteorológica do Japão, relata a Associated Press. O artigo diz que analistas concluíram que a temperatura média da superfície global do ano passado foi mais de 1,5°C acima da linha de base pré-industrial usada para medir o aquecimento global, com diferentes serviços chegando a números entre 1,53 °C e 1,6 °C de aquecimento.

Outras imagens que podem ilustrar a tragédia de superarmos 1,5°C são do Brasil, com o colapso climático no Rio Grande do Sul, queimadas recordes no Pantanal, seca histórica na Amazônia e os desastres incontáveis em cidades com governos negacionistas e sem planos de adaptação para evitar mortes e perdas. 

Das perguntas que faço constantemente, algumas parecem clichês, pelo menos eu acho. Como assim os governos do mundo estão vendo seus países derretendo, quase que literalmente, milhares de mortes, desemprego, cidades arrasadas e continuam a duvidar e pagar para ver? Como continuam furando buracos no chão e buscando com as mãos sujas o petróleo para queimar a terra? Não é possível. 

Mas a verdade é que navegamos todos os dias para o fim do mundo, e quem segura o céu, como nos lembra Davi Kopenawa, não está nos grandes barcos. As mudanças climáticas acentuaram as desigualdades sociais e raciais. 

A problemática das mudanças climáticas, mais do que qualquer outro tema ambiental, tem dominado o debate internacional entre governos, empresas e instituições multilaterais, assim como entre organizações e movimentos sociais. Mais do que suas causas, grande parte do debate gira em torno dos impactos e das possíveis soluções para seu enfrentamento, em particular estratégias políticas e tecnológicas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Mais práticas coloniais, pintadas de verde, sem nenhuma preocupação socioambiental ou com a população local.

A branquitude opera pela produção de territórios de exclusividade, que são construídos e explorados pelo mercado. A novidade é que agora comunidades são ainda mais assediadas com falácias de soluções verdes criadas por esse mercado. Essas soluções são sempre baseadas no lucro e na captação de recursos para empresas, nunca na melhoria da qualidade de vida do território e de suas comunidades.

A crise ecológica e climática na qual vivemos é uma das maiores problemáticas do nosso século, isso porque ela evidencia as desigualdades sociais, demonstrando que os impactos negativos das mudanças climáticas, como as catástrofes ambientais, afetam de forma desproporcional populações pobres e racializadas.

O termo “racismo ambiental” descreve a discriminação institucionalizada que envolve políticas, práticas ou diretrizes ambientais que afetam ou prejudicam de forma desigual indivíduos, grupos ou comunidades afrodescendentes. O racismo serviu como um princípio organizador fundamental para sistemas e processos no centro das crises climáticas e ambientais. Compreender e abordar o clima contemporâneo e a injustiça ambiental em um cenário racialmente discriminatório requer uma abordagem histórica sobre como o racismo moldou a economia, a política e as realidades climáticas e ambientais. E, claro, as estruturas jurídicas.

Lembrar, constantemente, que os povos tradicionais, povos indígenas e quilombolas e comunidades periféricas são os que nos ensinam sobre enfrentamentos, lutas e resistência ao habitar colonial, sendo os maiores defensores da vida humana e do meio ambiente. E lembrar da obra “Lugar de Negro”, que Lélia Gonzalez lançou em 1982, com Carlos Hasenbalg, pela editora Marco Zero, Lélia escreveu:

“O lugar natural do grupo branco dominante são moradias amplas, espaçosas, situadas nos mais belos recantos da cidade ou do campo e devidamente protegidas por diferentes tipos de policiamento: desde os antigos feitores, capitães do mato, capangas, etc., até a polícia formalmente constituída. Desde a casa grande e do sobrado, aos belos edifícios e residências atuais, o critério tem sido sempre o mesmo. Já o lugar natural do negro é o oposto, evidentemente: da senzala às favelas, cortiços, porões, invasões, alagados e conjuntos habitacionais, cujos modelos são os guetos dos países desenvolvidos dos dias de hoje. O critério também tem sido simetricamente o mesmo: a divisão racial do espaço.”

Adotar uma abordagem global que responda de forma eficaz ao fato de que a justiça climática exige justiça racial e que a justiça racial requer justiça climática. Os impactos racialmente desiguais da degradação ambiental e da injustiça climática demandam uma reorientação fundamental das instituições políticas, dos sistemas econômicos e dos princípios jurídicos, de modo a incluir prioridades de justiça e igualdade racial.

O que resta de saúde e luta nos ajude para que um pouco de otimismo seja verdadeiramente possível.


Mariana Belmont – Jornalista e assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra, faz parte do conselho da Nuestra América Verde e da Rede por Adaptação Antirracista. E organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023).

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