Teresa do Quariterê (Teresa de Benguela)

Aqui em nosso país, seguindo a tradição do protagonismo do negro no Período Colonial, tivemos a atuação histórica e a forte presença de Teresa do Quariterê, provavelmente mulher negra africana, procedente da região de Benguela, daí o seu cognome.

Tornou-se, por assim dizer, rainha do Quilombo do Quariterê, na segunda metade do século XVIII, destacando-se de início por dirigir um Quilombo multiétnico, isto é, com o predomínio de negros, índios e caburés – mestiços de negros e índio, o cafuzo. É importante considerar que este era relevante para a época pois possuía uma povoação com quase 200 habitantes livres, construindo e mantendo uma sociedade alternativa que dizia não à Escravização do homem pelo homem.

Uma outra peculiaridade desta notável protagonista da História do negro no Brasil, era a forma como dirigia o Quilombo, ou seja, era por demais severa na condução de sua organização e comando político. Para compreender melhor essa idiossincrasia da Rainha Negra de Mato Grosso, é importante se atentar para o fato de que o Quilombo ficava relativamente próximo à Capital da Capital da Capitânia, Vila Bela da Santíssima Trindade – na ocasião – e que, sendo área de mineração, contava ainda com o trânsito de bandeirantes, que por fim desmantelaram o Quilombo. Mas nossa querida rainha negra governou com “mão-de-ferro” necessária e sabiamente por 20 longos anos.

É importante destacar que o Quilombo do Quariterê, sob égide da Rainha, mesmo guardando enorme distância do Atlântico, era um Quilombo misto, ou seja, era produtor de gêneros alimentícios, inclusive algodão, com o qual faziam-se tecidos e vestidos para todos no Quilombo, bem como exportava para as redondezas. Note-se que havia uma interação entre quilombolas e a população circunvizinha, que parecia não habitar o “Quilombo da Rainha”, pois contraíra relações comerciais com o mesmo. Os excedentes de produção sendo vendidos, reproduzia, há mais de 2.000 Km de distância, o mesmo papel que o Quilombo de Palmares tivera entre a Serra da Barriga e Porto Calvo, por exemplo, na região de Alagoas, Pernambuco. E isso tudo nos revela como haviam outras possibilidades ao nefando sistema racista-escravista.

Mas a rainha alegre e vaidosa, que apreciava cercar-se de damas de companhia indígenas, não pôde continuar exercendo seu reino, que era uma sociedade alternativa para a época, ultrapassando o simples nível de um “ajuntamento” de escravos fugitivos, como queria a Coroa portuguesa, e como desejavam os homens e mulheres ricos de Vila Bela. O Quilombo virara atração para a fuga de mais negros, e índios se juntavam aos negros – um perigo crescente para os racistas da época.

Em 1770, deu-se o ataque ao Quilombo. Foram presos 44 negros e inclusive a rainha, que vendeu caro sua derrota, não permitindo que a levassem viva para humilhações e sevícias de praxe. Provavelmente tomou veneno de folhas, que tão bem conhecia, e morreu a caminho de Vila Bela, atrapalhando os planos de seus captores.

Mas seu exemplo foi observado e seguido. No mesmo ano em que falecera, surgiu o Quilombo da Carlota. E os negros não deixaram de lutar por Liberdade e Justiça, construindo quilombos; conquistando na prática suas abolições, mesmo que de forma entrecortada. Nas terras remanescentes de Quilombo e nas “terras de preto” dos nossos dias, essa saga continua sendo levada a cabo por homens e mulheres negras.

Teresa de Benguela, hoje

Nossa rainha já não se encontra lutando entre nós por Justiça, Liberdade e Igualdade. Ficou, porém, seus símbolos e exemplos.
Nós negros e negras temos o dever moral e ético de nos inspirarmos na grande rainha. E em seu, e em nosso nome, lutar contra os problemas principais que nos afetam, hoje. Desta forma estaremos sendo fiéis à memória de rainha guerreira do Mato Grosso Colonial. Assim estaremos respeitando a nós mesmos na resistência e luta por dignidade, justiça e liberdade.
-Viva a Mulher Negra
-Viva a Rainha Negra do Pantanal
-25 de Julho Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra- Lei 12.987 de 2 de junho de 2014.
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Fontes:
Nei Lopes. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo, 2004.
Clóvis Moura. Dicionário da Escravidão no Brasil. São Paulo, 2004.
*Pedagoga; Mestranda em Educação (PPGEdu/ICHS/CUR/UFMT). Presidente da APG/UFMT (Associação de Pós-graduandos). Ex-Presidenta do Movimento Negro de Rondonópolis-MT. Membro titular do Conselho Municipal de Educação e Vice- Presidenta da UNEGRO PANTANAL (Instituto de Negras e Negros pela Igualdade).


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