Thomas Sankara, o Che Africano

FONTEPor  Sahara Boreas, do Ornitorrinco
(Foto: @Getty Images/AFP/A. Joe)

Quando eu tinha 14 anos, o professor de Geografia (que muito apropriadamente se chamava Mr. Mount) decidiu que tínhamos que saber de cor todos os países africanos e suas capitais. Desde então mais de dez anos se passaram e apesar de ter feito viagens ao norte de África, ter feito amigos de vários países Africanos nunca mais me esqueci que a capital de Burkina Faso é Ouagadougou. Na altura lembro de ter achado a sonoridade da capital algo muito memorável.

Este ano (que passa) fui convidada a assistir um filme da mostra de filmes Africanos que estavam sendo exibidos no Instituto Moreira Salles, e qual não foi a minha surpresa quando já atrasada chego na sala e descubro que o filme é sobre Burkina Faso, mais especificamente sobre Thomas Sankara. Talvez uma das pessoas mais interessantes do continente Africano, que eu nunca tinha ouvido falar.

Burkina Faso é um país sem acesso ao mar que tem como fronteiras seis países; Mali, Níger, Benin, Togo, Gana e Costa de Marfim. Em 1983, o ano em que Thomas Sankara, por meio de um golpe de estado se tornou presidente, o país era um dos mais pobres do mundo e tinha parado o seu desenvolvimento desde a sua independência em 1960. Thomas Sankara de 33 anos que era um jovem idealista, impaciente, com ideias muito progressistas e uma veia marxista, decidiu rebatizar o seu pais (que se chamava Alto Volta) de Burkina Faso – Terra dos Homens Íntegros.

Thomas é ainda hoje conhecido pela juventude local como o “Che Africano”. As suas ideias tiveram repercussão por todo o continente, o que assustou vários lideres de outros países. Em especifico da França e da Costa do Marfim. A Costa do Marfim utilizava mão de obra barata de Burkina, e a França retirava grande parte da riqueza da Costa do Marfim (e de outras de suas ex-colonias) por meio de contratos que mantinham o espirito neocolonialista.

Sankara era avidamente anti-imperialismo e anti-neocolonialismo, para isso ele sentia que era necessário autonomia em todos os sentidos (principalmente não depender de importações). Ele era também muito a favor de uma África Unida, “produire en Afrique, transformer en Afrique et consumire en Afrique”, produzir e consumir produtos africanos. Ele era a grande antítese do que se chama de afro-pessimismo: “Devemos aceitar o modo de viver Africano, que é a única maneira de viver livre e dignamente”.

Como presidente ele tomou várias decisões e medidas inéditas a um chefe de estado Africano. Começou por diminuir o seu salario, dos ministros e de outros altos funcionários do governo. Vendeu os Mercedes (carros oficiais do estado) e comprou Renault 5s (na altura o carro mais barato em Burkina Faso). Anulou todos os privilégios dos membros do governo, incluindo que ninguém voava em 1ª classe. Julgou os ex-membros do governo por desvio de verbas e corrupção. Pôs fim ao imposto colonial, e acabou com a distribuição feudal de terras (distribuindo a terra aos camponeses).

Um dos seus feitos mais impressionantes foi ter atingido a autonomia alimentar de Burkina em apenas 4 anos (a produção de trigo aumentou de 1700kg/ha para 3800kg/ha). Na sua ânsia de alojar, alimentar e cuidar da população, vacinou 2.5milhões de Burkinabés em apenas uma semana, começou vários programas de alojamento social, e construção de estradas e ferrovias – tudo sem dinheiro, e sem apoio de grandes empresas ou outros países. Ele via estes projetos como oportunidades do povo fazer parte da construção de Burkina Faso.

Ele foi o primeiro chefe de estado Africano a reconhecer os direitos das mulheres, e de ativamente tentar mudar a cultura Burkinense (onde a mulher era vista como inferior). Ele foi o grande catalizador da emancipação feminina no seu pais, criando trabalhos, introduzindo mulheres na formação militar e elegendo varias mulheres como suas Ministras.

Muito preocupado com a educação do seu país, ele educava a população com slogans e inseria-os na construção do pais, criando assembleias gerais, tribunais populares da revolução, e o movimento pioneiro – onde crianças até aos 12 eram formadas ideologicamente e politicamente contra a voracidade, egoísmo e egocentrismo. Ele era acreditava também na formação politica dos militares “um militar sem formação politica e ideológica, é um criminoso em potência.”

Ele começou programas de esporte coletivos, onde ele e o seu número dois (Blaise Comparoe) participavam assim como ministros, cidadãos e camponeses. E começou também os bailes populares, onde se encontrava todo tipo de gente de todos os extratos sociais, incluindo o Thomas em pessoa. Mas como guitarrista exímio, ele ia só para tocar na banda.

Mas nem tudo era tão cor-de-rosa, os sindicatos e oposição não tinham efeito no seu governo, e durante uma greve de professores, ele prendeu 1400 professores. (As greves eram vistas como movimentos contra a revolução porque quem era a favor da revolução resolvia-se nas assembleias).

Sankara tinha muito carisma, algo muito evidente nas suas entrevistas e seus discursos, (que se encontram facilmente no youtube). As suas ideias progressistas como acabar com o dever de pagar a divida fizerem com que tivesse apoio de vários (Fidel Castro, Jerry John Rawlings, a juventude Africana) mas também que se tornasse inimigo de outros, principalmente lideres de países africanos com conexões fortes com os seus ex-colonizadores. Os mais preocupados eram François Mitterrand (o então presidente da França), e o presidente da Costa do Marfim.

A 15 de Outubro de 1987, o número 2 e melhor amigo de Sankara, Blaise Comparoe (com o apoio do presidente da Costa do Marfim) assassinou Thomas e se elegeu presidente. Apesar da população chorar a sua morte, traços do seu governo foram apagados e acusaram Thomas de ter enriquecido a custa da população. Ao invadirem a sua casa a procura de provas não encontraram nada a não ser suas guitarras e bicicletas. Blaise começou a partir de então uma politica de cooperação e se manteve no poder 27 anos. Em novembro deste ano devido a uma revolta dos jovens Burkinabés, ele renunciou do poder e fugiu para a Costa do Marfim.

Thomas que nas suas próprias palavras se sentia “mal amado e mal compreendido” em África acabou por aceitar morrer (ele foi avisado que Blaise preparava um golpe, mas insistiu que a amizade não se trai), mas vive ainda hoje na memória de todos os Burkinabés como símbolo de esperança.

Respeitou o seu lema até ao fim. A pátria ou A morte. Venceremos.

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