Thuler e Lincoln: quando o racista é seu amigo

Durante uma live no instagram entre os jogadores do Flamengo, Vinícius Souza e Lincoln, o também jogador do Flamengo, Matheus Thuler chamou o Lincoln de “macaco”.  Vinicíus Souza e Matheus Thuler estão passando férias no Rio Grande do Norte, ao perceber que a conversa ocorria entre Vinícius Souza e Lincoln, Matheus Thuler o chama de macaco, logo após é repreendido por Vinícius Souza, que diz “que é isso cara”, na sequência do vídeo Matheus Thuler fala com Lincoln “eaí preto”.  A live que durou apenas 23 segundos acabou sendo encerrada em seguida pelo jogador Vinícius Souza.

por Henrique Oliveira no Rever Online

Alexandre Vidal/Flamengo/Divulgação

Em função das críticas na rede social, Matheus Thuler fez postagens em seus perfis no instagram e twiiter, pedindo desculpas, no entanto, não pediu desculpas diretamente a Lincoln, mas sim a quem o estava criticando e “se sentiu ofendido.

“Te amo, irmão! Você é da minha família e estamos juntos sempre para o que der e vier. Peço sinceras desculpas a quem possa ter se ofendido com a brincadeira com meu irmão @lincoln9”, escreveu o Thuler, que é zagueiro do Flamengo.

Lincoln também utilizou seu perfil no instagram para se manifestar sobre o ocorrido e disse: “Pessoal, o Thuler é meu irmão! Convivemos juntos diariamente há muitos anos e ele faz parte da minha família! Intimidade nós temos há mais de 7 anos! Te amo Thuleia”

A Foxsports preferiu chamar o caso de racismo de polêmica na internet, o caso também repercurtiu na imprensa estrangeira especializada em futebol como a Onefootbal. Contudo, tanto Matheus Thuler como Lincoln optaram por jogar panos quentes, não politizar e tratar o fato como um momento de brincadeira, em que existiria uma certa intimidade entre ambos, na qual chamar de macaco não era ofensa racial. Acima de tudo, eles eram amigos, quase que irmãos. Porém, a relação de amizade está imune ao racismo?

O racismo enquanto sistema ele estrutura a sociedade brasileira e engloba todos os aspectos e instituições da vida social. A psicóloga Lia Vainer Schucman (USP) realizou uma pesquisa sobre racismo nas relações familiares inter raciais, em que o pai ou a mãe são brancos, e constatou a existência de racismo, pois era comum que os filhos negros ouvissem dos seus pais que o “cabelo era ruim” o “nariz era largo”, que a pele era “escura demais”, num tom pejorativo e negativo. A pesquisa resultou no livro “Família inter raciais: Tensões entre Cor e Amor”, publicado pela EDUFBA em 2018.

Segundo Lia Vainer Schucman, não é porque existe amor, afeto e intimidade, que não existe racismo. O racismo, infelizmente, não anula a existência desses sentimentos, o racismo nem sempre vai significar exclusão, violência física e incapacidade de relações entre pessoas negras e pessoas brancas. “O racismo de intimidade” é parte significativa das experiências raciais na vida das pessoas negras, nas relações com pessoas brancas e na sociedade como um todo.

Portanto, o fato de existir uma amizade entre Matheus Thuler e Lincoln de forma alguma é indicador da ausência de racismo, porque eles são amigos e nessa relação tem afeto, tem respeito e até mesmo uma permissividade para “bullying” ou brincadeiras que enfatizasse a condição racial de Lincoln. Além do mais, bullying não é racismo, chamar alguém de macaco por causa da sua cor é racismo, uma pessoa branca jamais irá ser chamada de macaca.

Ao dizer que chamar Lincoln de macaco tratou se de uma brincadeira, Matheus Thuler lançou mão do “racismo de recreativo”, que é uma cultura que utiliza o humor para hostilizar minorias, propagando racismo por meio de piadas. Esse mecanismo racial é utilizado pelo humor chamado de “politicamente incorreto”, que defende uma suposta neutralidade da piada, quando na verdade estão discriminando negros, mulheres e homossexuais. Essa cultura naturalizou que pessoas negras fossem vítimas de racismo através de apelidos com conotação negativa relativas a cor da pele, nariz e outras características físicas ou por causa da prática religiosa, a exemplo do “chuta que é macumba”, um explícito racismo religioso ao Candomblé.

Não podemos nos esquecer, que chamar negros de macaco tem uma origem histórica no racismo científico do século XIX, forjado na colonização dos povos da América, África e Ásia, que visou explicar e justificar a dominação européia, tratando a desigualdade social como uma desigualdade racial. Em que a população negra africana e afrodescedente seria inferior, porque estaria num estágio primitivo da evolução humana assim como os macacos, sendo os brancos a raça superior e por isso deveria subjugar os negros. Chamar uma pessoa negra de macaco é negar a sua humanidade!

No mundo do futebol a prática de chamar jogadores negros de macaco, imitar rugidos quando eles se aproximam da arquibancada é uma das principais formas de racismo no esporte. Na Europa, jogadores como o belga Lukaku, o zagueiro Rudiger, do Chelsea e o brasileiro Taison, foram vítimas de racismo ao serem chamados de macaco.

Mas não é só na Europa que se registra casos de racismo no futebol, até novembro de 2019, o Observatório da Discriminação Racial, registrou 47 casos de racismo no futebol brasileiro, um aumento de 6,8% em relação a 2018. Entretanto, 2019 também foi um ano importante para o enfrentamento ao racismo no futebol brasileiro, o ex jogador e treinador do Esporte Clube Bahia, Roger Machado, quebrou o silêncio que existia no esporte em torno da questão racial e fez um discurso primoroso sobre racismo estrutural no Brasil.

O próprio futebol brasileiro é um exemplo real do impacto do racismo estrutural, um esporte cuja maioria dos atletas são negros, só que nas funções de dirigentes de clubes e treinadores o que prevalece é uma maioria branca. Um levantamento feito Superesportes demonstrou que nos clubes da série A de 2019, apenas 3% dos dirigentes eram negros e só dois clubes tinham treinadores também negros (Bahia e Fluminense).

 É um autoengano, tanto das pessoas brancas como das pessoas negras, acreditarem que o racismo não atravessa e está presente nas suas relações interpessoais, profissionais e afetivas. A sociedade brasileira é uma sociedade racializada, em que ser branco ou ser negro imprime nas pessoas significados sociais, que não se opõem ao grau de relacionamento que dois sujeitos podem ter um com o outro, muito pelo contrário, é por meio da raça que se atribui noção sobre a pessoa, a cor nos remete a origem social, a status quo, garante o acesso a serviços, o trânsito em determinados espaços, confere as pessoas respeitabilidade e moral, a cor no Brasil determina a vida e a morte.

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