Todas as vitórias são agridoces, e esta não é uma exceção. A decisão do STF que descriminaliza o porte de maconha para uso pessoal é, ao mesmo tempo, significativa e frustrante. Comecemos pelo copo meio cheio. O STF atinge um dos principais fatores do encarceramento em massa no país, a saber: a falta de uma diferença objetiva entre usuário e traficante. Estabelecer 40 gramas de maconha como o critério pode contribuir para uma maior segurança jurídica no país acostumado a prender usuário como traficante.
E é aí que o copo fica meio vazio. O que separa um usuário de um traficante não é, tão somente, a quantidade de drogas; mas sim a raça e a classe do acusado. Embora a decisão do STF não legalize o uso, brancos de classe média e alta podem continuam a portar maconha impunemente, como já fazem; pretos e pobres continuarão a ser acusados de tráfico, como já o são. Isto porque o STF embutiu na própria decisão a receita perfeita para que autoridades policiais e judiciais possam, de maneira legal, burlá-la.
O diabo na guerra às drogas mora nos detalhes. Mesmo portando menos de 40 gramas de maconha, a polícia pode, por exemplo, levar em conta a existência de uma balança de precisão, caderneta de endereços, a palavra do policial, o local e hora da abordagem ou outros critérios nada objetivos para continuar a enquadrar usuário (preto) como traficante. STF pretende cobrir o racismo com a peneira de uma objetividade para inglês ver: a corte já estipula de antemão uma série de brechas legais pelas quais o punitivismo racista pode continuar a passar livremente.
Limitar, ademais, a decisão para maconha e não para outras drogas, como crack, perpetua o racismo. Ao descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, sem enfrentar as engrenagens jurídicas do racismo, o STF reafirma o que já sabemos: a liberdade para pretos e pobres, como sempre, é uma meia conquista.
Hoje celebremos, amanhã a luta continua.