Uma fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nas instalações do Lollapalooza, festival de música que acontece entre sexta (24) e domingo (26) em São Paulo, afirma ter flagrado trabalhadores em condições degradantes.
Cinco homens que trabalhavam para uma prestadora de serviços do festival disseram aos auditores fiscais do trabalho na terça (21) que estavam dormindo entre fardos de bebidas, sobre pallets e colchonetes, em tendas montadas dentro do complexo do Lollapalooza no Autódromo de Interlagos, na zona sul da capital paulista. A vigília seria necessária para garantir a segurança da mercadoria.
A produtora de eventos T4F, organizadora do festival, disse em nota exigir que todas as empresas prestadoras de serviço garantam condições de trabalho aos seus funcionários e que encerrou o contrato com a terceirizada.
Segundo o MTE, esses trabalhadores não estavam registrados –durante a fiscalização, um representante da prestadora de serviços apresentou os contratos, mas disse que eles ainda não estavam lançados no sistema do eSocial.
Parte dos resgatados começou a trabalhar no dia 16, outra no dia 17. Desde então, segundo disseram à fiscalização, eles não puderam voltar para casa e tomavam banho em uma casa locada pela terceirizada, que seria responsável pela distribuição das bebidas que seriam vendidas nos três dias de festival.
Pelas condições consideradas degradantes e pelas dificuldades impostas para que os trabalhadores voltassem para casa diariamente, a fiscalização considerou que havia situação de trabalho análogo ao escravo. Eles disseram à fiscalização que ouviram dos empregados que, se voltassem para casa, não precisariam voltar ao trabalho, pois seriam substituídos.
Os homens também afirmaram que a jornada de trabalho era de cerca de 12 horas diárias. Eles receberiam R$ 130 por dia de trabalho e seguiriam trabalhando durante a desmontagem do evento, até o dia 29.
No mesmo dia em que foram localizados, eles assinaram os termos de rescisão de contrato com a terceirizada e receberão verbas rescisórias de cerca de R$ 10 mil cada um. Também terão direito ao seguro-desemprego pago a trabalhadores encontrados em situação análoga à de escravo.
A fiscalização na terça-feira foi a quarta realizada pela Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo desde o início da montagem da estrutura do festival, no início de março. A vistoria era rotina.
O auditor fiscal do trabalho Rafael Brisque Neiva, um dos responsáveis pela fiscalização de grandes eventos, diz que a fiscalização tem se reunido com a T4F há pelo menos seis meses para orientar quanto à legalidade nas contratações e subcontratações para a organização do evento.
O Lollapalooza já teve casos de trabalho análogos à escravidão em outras edições, como em 2019, quando pessoas em vulnerabilidade social foram contratadas para montar e desmontar estruturas do evento por R$ 50, em turnos de 12 horas.
“A gente vinha desde o ano passado alertando sobre o que eles [T4F] deveriam cobrar dos prestadores, da importância de barrar problemas como informalidade e jornadas longas, que são comuns em eventos desse tipo”, disse o fiscal à Folha.
Em 2018, a Pastoral do Povo de Rua acionou o MPT (Ministério Público do Trabalho) para que duas empresas de carregamento do festival fossem investigadas. A denúncia tratava do uso de mão de obra de moradores de rua na montagem de estruturas, relatando falta de registro e ausência de banheiros, mas foi arquivada porque a procuradora entendeu que o tema deveria ser remetido a um órgão fiscalizador, como o extinto Ministério do Trabalho.
Os trabalhadores resgatados na última semana pela auditoria fiscal do trabalho tinham entre 20 e 30 anos e moravam na zona sul de São Paulo, em bairro próximo ao local do Lollapalooza.
A ação de fiscalização considerou a T4F e a prestadora de serviço responsáveis pelas condições dos trabalhadores. Além do recolhimento imediato das verbas trabalhistas, as empresas agora respondem administrativamente pelas infrações e ainda poderão ser processadas pelo Ministério Público do Trabalho.
Segundo a fiscalização, a empresa que atenderia a distribuição de bebidas nos três dias de evento contrataria cerca de 800 trabalhadores para o atendimento e abastecimento dos pontos de venda. A organizadora do Lollapalooza disse que já substituiu o serviço de bar, que deverá funcionar normalmente nos três dias de evento.
Íntegra da nota da T4F:
Para realizar um evento do tamanho do Lollapalooza Brasil, que ocupa 600 mil metros quadrados no Autódromo de Interlagos e tem a estimativa de receber um público de 100 mil pessoas por dia, o evento conta com equipes que atuam em diferentes frentes de trabalho, em departamentos que variam da comunicação a operação de alimentos e bebidas, da montagem dos palcos a limpeza do espaço e a segurança. São mais de 9 mil pessoas que trabalham diretamente no local do evento e são contratadas mais de 170 empresas prestadoras de serviços.
A T4F, responsável pela organização do Lollapalooza Brasil, tem como prioridade que todas pessoas envolvidas no evento tenham as devidas condições de trabalho garantidas e, portanto, exige que todas as empresas prestadoras de serviço façam o mesmo.
Nesta semana, durante uma fiscalização do Ministério do Trabalho no Autódromo de Interlagos, foram identificados 5 profissionais da Yellow Stripe (empresa terceirizada responsável pela operação dos bares do Lollapalooza Brasil), que, na visão dos auditores, se enquadrariam em trabalho análogo à escravidão. Os mesmos trabalharam durante 5 dias dentro do Autódromo de Interlagos e, segundo apurado pelos auditores, dormiram no local de trabalho, algo que é terminantemente proibido pela T4F.
Diante desta constatação, a T4F encerrou imediatamente a relação jurídica estabelecida com a Yellow Stripe e se certificou que todos os direitos dos 5 trabalhadores envolvidos fossem garantidos de acordo com as diretrizes dos auditores do Ministério do Trabalho. A T4F considera este um fato isolado, o repudia veementemente e seguirá com uma postura forte diante de qualquer descumprimento de regras pelas empresas terceirizadas.