Traição e a cultura do machão

Nós adoramos apontar o dedo para mulheres que foram traídas e dizer que a culpa, na verdade, foi delas. E a questão, aqui, é menos sobre monogamia do que sobre a perpetuação ridícula da ideia de que os homens não são responsáveis pelo que fazem.

Por Mari Do Lugar de Mulher

SPOILER: são, sim.

Na série Good Wife, a personagem central, Alicia, é traída por seu marido Peter. Após a descoberta, pública, do romance extraconjugal, a amante de Peter vai em um programa de entrevistas onde afirma ter começado seu relacionamento com ele em um menage, que a esposa havia se recusado a fazer. A entrevistadora, então, chama Alicia de “um pouco frígida“.

A ideia de que sexo é uma espécie de moeda de troca por dignidade é tão recorrente que, inclusive, temos uma expressão para ela: “não deu assistência, abriu pra concorrência“.

Assistência, como se a sexualidade de um casal não fosse uma coisa construída e mantida mutuamente, mas responsabilidade da esposa devotada, que deve fornecer sexo e janta para manter seu homem feliz e, assim, não correr o risco de ser traída. E como se traição fosse, na verdade, um atestado público terrível de que uma mulher fracassou em seu papel. Para se redimir disso ela deve reconquistar seu homemfazendo tudo que ele quiser, passando por cima das suas próprias vontades, “dando assistência”.

Ou seja: “atrás de um homem vitorioso sempre há uma grande mulher” (mais um exemplo da sabedoria popular). Mas atrás, porque esposa dedicada, mesmo, se anula por amor.

Nós, mulheres, ficamos fora dos holofotes. Nós sorrimos, nós confortamos, nós cuidamos, mas nós estamos sempre lá.

E tu pode estar pensando “que besteira, mulheres também traem”. É verdade, e foi por isso que eu disse que a questão, aqui, não é falar de monogamia. Mas da diferença de discurso que costura esses comportamentos.

O homem, quando trai, “não consegue se controlar“; a mulher “é uma vagabunda“. O homem, quando é traído é porque “a mulher era uma vagabunda“, já a mulher é porque “não soube cuidar do seu homem“. É como se o homem nunca fosse responsável pelas próprias ações! Feito nesta matéria que explica os motivos pelos quais os homens traem:

Eles não querem passar por um divórcio, amam as esposas, mas precisam suprir as necessidades físicas.

Suprir as necessidades físicas, como se romper a confiança e o contrato de monogamia fosse, sei lá, fazer xixi.

E o problema de permitir a perpetuação dessa noção equivocada de que os homens não conseguem controlar seus instintos fica clara na coisa de que, para muitos homens, trair gera status na cultura do machão. Porque, óbvio, quanto mais macho o cara, menos ele controla seu desejo sexual.

Também deve ser por isso que os homens são mais propensos a trair quando as mulheres sustentam a casa. Porque macho que é macho não tolera ser menos que uma mulher.

Um bom exemplo disso está nessa pesquisa da Sociedade Brasileira de Urologia. Nela,  21% dos homens brasileiros afirmam que seu maior medo é “ser traído”. Perdendo, apenas, para “falhar na hora H”. Os dois grandes símbolos de hombridade, ter uma mulher casta e uma ereção constante.

Mas o que o cara faz com uma ereção constante se ~~sua mulher~~ é casta? Ah, poisé.

Agora eu quero propor uma pequena piadinha comparativa. Nessa mesma pesquisa minha cidade, Porto Alegre, aparece como o lugar do Brasil onde mais homens admitem ter traído, 98%. Mas aí, de acordo com essa outra pesquisa, Rio Grande do Sul é o estado onde mais mulheres comprometidas estão insatisfeita com sua vida sexual (75%).

Coincidência?

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