Funcionário chegou a se sentir “atração de circo” após piadas e comentários
A condenação imposta pelo juiz Gilberto Augusto Leitão Martins, da 11ª Vara do Trabalho de Brasília (DF) à Voetur Turismo e Representações por assédio moral contra um funcionário afrodescendente, coagido a cortar o cabelo em estilo black power que usava, foi mantida pela Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10). No julgamento do recurso apresentado pela empresa, os magistrados apenas reajustaram o valor da indenização, que foi fixado em R$ 4,8 mil.
Atração de circo
O autor da reclamação trabalhista conta que foi contratado pela Voetur no cargo de revisor. Relata que eram comuns comentários sobre seu cabelo, sua cor e seu excesso de peso. Mas o fato mais grave ocorreu, segundo ele, em um evento motivacional promovido pela empresa, com show de humor, música, gincana e serviços de massoterapia e cabeleireiro. Na ocasião, o chefe teria ficado ao lado do revisor fazendo comentários e insistindo para que ele cortasse o cabelo. O revisor acabou por se submeter ao corte. Neste momento, várias pessoas teriam ficado ao seu redor, filmando o corte e tirando fotos, fazendo brincadeiras e rindo. Na reclamação ele diz que naquele momento chegou a se sentir “uma atração de circo”. No dia seguinte, incomodado, ele pediu demissão do emprego.
Após ouvir o depoimento das testemunhas, o magistrado de primeiro grau salientou ter ficado claro que o autor era vítima de assédio moral no ambiente de trabalho, sendo alvo de brincadeiras envolvendo a cor da sua pele, seu formato físico e principalmente o estilo de seu cabelo.
Personalidade
Em sua sentença, o juiz salientou que a forma como a pessoa se apresenta à sociedade denuncia um pouco sua personalidade. As tentativas de alteração dessa imagem acabam por interferir na própria personalidade do indivíduo, com prejuízo à estima pessoal. A sociedade estabelece padrões de comportamento além dos quais torna-se inviável o convívio. A pessoa que se apresenta com roupas em cores chocantes ou com partes do corpo desnudo ou com aspecto físico descuidado, pode tornar-se indesejada em determinada célula social, principalmente no ambiente de trabalho onde a convivência se dá de forma mais próxima e constante.
No entanto, afirmou o magistrado, o uso de cabelos grandes “nem de longe pode ser considerado comportamento inadequado, de modo que o estilo black power, usado pelas pessoas da raça negra, não se apresenta como algo inusual, provocante ou que revele descuido no asseio pessoal”. A restrição ao uso do black power pode, inclusive, resvalar para o preconceito de raça, extrapolando a própria invasão à privacidade, vedada pelo artigo 5º (inciso X) da Constituição Federal.
Com esses argumentos, e por considerar que o revisor foi exposto, por prepostos da empresa, a situação vexatória, com constrangimentos em público, o juiz condenou a empresa ao pagamento de indenização no valor de R$ 10 mil.
Conduta inadequada
No julgamento do recurso interposto pela empresa e relatado pelo desembargador José Leone, os integrantes da Terceira Turma decidiram manter a condenação da empresa. “Com efeito, a conduta patronal se mostrou inadequada, atingindo moralmente ao reclamante, que não foi tratado com o devido respeito em seu local de trabalho”, frisou o relator em seu voto. De acordo com a desembargadora Cilene Santos, presidente do colegiado, trata-se de um caso em que a questão racial foi levada a um patamar inaceitável.
Porém, com base nas características do caso concreto, e levando em consideração os princípios de equidade e justiça e as condições do autor e do réu, os magistrados seguiram, por maioria, o entendimento do juiz convocado Denilson Bandeira Coelho e reajustaram o quantum da pena imposta pelo juiz de primeiro grau, fixando o valor final em R$ 4,8 mil.
Fonte: Agência de Notícias da Justiça do Trabalho