Tudo preto no branco

Preto é uma cor. Melhor: uma ausência de cor (as cores são absorvidas, não refletidas). E escuro é ausência de luz. Branco é uma cor também. Ops, na verdade, é a junção de várias cores. Daí que eu estou dizendo isso para que vocês entendam e vislumbrem o tamanho da ironia da próxima vez que alguém disser que uma pessoa preta é uma pessoa “de cor”. É, no mínimo, falta de informação.

Enviado por Belise Mofeoli via Guest Post para o Portal Geledés

Cor da pele nada tem a ver com etnia. Do mesmo jeito que existem negros de pele bege, marrom em vários tons e preta, caucasianos/brancos podem ter peles brancas em várias gradações e até cor-de-rosa. Alguns, classificados como brancos, possuem cor bem semelhante a outros, considerados negros. Nesse caso, o que os diferencia são os traços fenotípicos que apresentam. Há ainda quem classifique orientais de pele amarela como brancos. E os que classificam indígenas, peles vermelhas, como negros. Enfim, as pessoas confundem demais o que não tem nada a ver. Orientais nem sempre possuem olhos puxados. Muitos apresentam pele escura. Ou seja, cor da pele não tem a ver com localização geográfica também. Viver no Brasil e ser racista é, no mínimo, o cúmulo da contradição. Aqui, nem quem parece de um grupo étnico, necessariamente o é.

Eu cansei. Cansei de ouvir que alguém “é da cor do pecado”, que é “a ovelha negra”, que fez “trabalho de preto” ou que existem “negros de almas brancas”; cansei de ver pessoas que ainda confundem termos negro e preto, gente que gagueja para encontrar um termo – como é o caso de “moreninho” – para não ousar dizer que alguém é negro. A menos que se esteja falando de Darth Vader e a construção da frase seja “O lado negro da força”, não dá para deixar passar. Que fique claro que não estou incitando violência, apenas esclareço que a pacificidade também não pode ser confundida com passividade. Vale uma aula de história para cada comentário racista.

Creio não ter sido a única a ser taxada de exagerada por não deixar passar um comentário “que nem era tão preconceituoso assim” ou “só um jeito de falar”. Ninguém pode nos dizer quando e como podemos nos ofender. Cabe a nós a missão de esclarecermos o que nos atinge e mostrarmos os motivos para tal. Daí para frente, se a pessoa entendeu e encontrar outra forma de se expressar, missão cumprida, se persistir na utilização de termos pejorativos, que arque com as consequências legais.

E sei que, em geral, muitas pessoas não fazem ideia de que estão falando bobeira, que suas palavras são ofensivas e fruto de um pensamento cunhado em práticas colonialistas que, não entendendo o outro, demonizaram negros e cobriram índios, mataram e escravizaram uma porção de gente.

Eu poderia escrever, escrever, escrever e nunca findaria o assunto complexo que é a identificação étnica e origem do preconceito. O junguiano Roberto Gambini explica bem  melhor que eu em seu livro “Outros 500: uma conversa sobre a alma brasileira” os caminhos históricos que incutiram no brasileiro esse medo de mestiçagem, que na verdade, seria nossa grande força, nosso grande trunfo. Decidi, então, concluir com o “resumo da ópera” feito, magistralmente, pelo poeta por Luiz Vaz:

“MAGIA NEGRA

Magia negra era o Pelé jogando, Cartola compondo, Milton cantando. Magia negra é o poema de Castro Alves, o samba de Jovelina…

Magia negra é Djavan, Emicida, Mano Brow, Thalma de Freitas, Simonal. Magia negra é Drogba, Fela kuti, Jam. Magia negra é Dona Edith recitando no Sarau da Cooperifa. Carolina de Jesus é pura magia negra. Garrincha tinhas 2 pernas mágicas e negras James Brow. Milton Santos é pura magia.

Não posso ouvir a palavra magia negra que me transformo num dragão.

Michael Jackson e Jordan é magia negra. Cafu, Milton Gonçalves, Dona Ivone Lara, Jeferson De,  Robinho, Daiane dos Santos é magia negra.

Fabiana Cozza, Machado de Assis, James Baldwin, Alice Walker, Nelson Mandela, Tupac, isso é o que chamo de magia negra.

Magia negra é Malcon X. Martin Luther King, Mussum, Zumbi, João Antônio, Candeia e Paulinho da Viola. Usain Bolt, Elza Soares, Sarah Vaughan, Billy Holliday e Nina Simone é magia mais do que negra.

Eu faço magia negra quando danço Fundo de quintal e Bob Marley.

Cruz e Souza, Zózimo, Spike Lee, tudo é magia negra neles. Umoja, Espirito de Zumbi, Afro Koteban…

É mestre Bimba, é Vai-Vai é Mangueira todas as escolas transformando quartas-feira de cinza em alegria de primeira.

Magia negra é Sabotage, MV Bill, Anderson Silva e Solano trindade.

Pepetela, Ondjaki, Ana Paula Taveres, João Mello… Magia negra.

Magia negra são os brancos que são solidários na luta contra o racismo.

Magia negra é o RAP, O Samba, o Blues, o Rock, Hip Hop de Africabambaataa.

Magia negra é magia que não acaba mais.

É isso e mais um monte de coisa que é magia negra.

O resto é feitiço racista.”

 

Belise Mofeoli é escritora. Faz roteiros para diferentes formatos, além de livros, letras de músicas e peças de teatro. Conheça mais sobre seus trabalhos no www.facebook.com/escritorabelisemofeoli e no site www.belisemofeoli.com.br

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