UAU- Percepções de um angolano e um belga em Florianópolis (ou poderíamos dizer no Brasil?)

“Quando penso na ideia do negro brasileiro eu penso assim: Uau! As senhoras que matavam os seus filhos ao nascer no Brasil, tinham razão, porque é muito, muito chato. Ser negro é muito bom, mas eu não desejaria ser negro brasileiro, preferiria que tivessem me matado ao nascer.”

por Gabriela Seixas via Guest Post para o Portal Geledés

Ás vezes bate uma saudade, de um lugar que de fato nunca estive. Uma dor, um lamento tão forte que não sei o que é, ou melhor sei, mas que na correria dos dias, acabo não expressando com palavras tanto sentimento, mas que após assistir esse vídeo insistiram em vir em forma de desabafo.

Há dias atrás, foi comemorado aqui no Rio Grande do Sul, o famoso e doloroso(para os negrxs) 20 de setembro. Data em que o hino rio-grandense afirma quão não só este estado, não somente a região Sul, mas como o Brasil como um todo continua sendo racista e opressor ao afirmar que “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. Dói ter um hino assim? Dói, mas dói mais ainda em ver que pessoas que são ou eram do meu convívio, que se dizem muito inteligentes e bem informadas, veneram o mesmo e ainda o repetem como se fosse algo para se vangloriar.

Pois aqui vai um esclarecimento: meus ancestrais, escravos óbviamente, não só tinham virtudes, como tinham cultura, tinham sua fé, tinham suas famílias. O que me diria você, se alguém simplesmente chegasse na sua pacata e privilegiada vidinha (porque sim és/somos privilegiadxs) e lhe tirasse tudo isso? Meu povo resistiu, meu povo lutou. Pesquise sobre a Batalha de Porongos, mas leia mesmo!

Procure pela traição e claro, sobre escravidão, pesquise de verdade e não só nos livros de história, pois estes nunca me falaram a verdade sobre o meu povo que luta até hoje.

Meus avós lutaram, meu pais lutaram e eu luto, cada vez que entro em espaços privilegiados; cada vez que tenho que ouvir que preto e branco são iguais e que cotas, por tanto, não deveriam existir. NÃO, NÃO SOMOS IGUAIS, nunca desfrutamos das mesmas oportunidades. As cotas, são uma reparação histórica, são a justiça sendo feita parcialmente, não são para me minimizar e se pensas isso é porque o que lhe foi ensinado, foi a História a partir da visão eurocêntrica dos portugueses. É porque, apesar de privilegiadx com sua vida bem estruturada, não tivesses o interesse ou vontade de desconstruir as histórias básicas e incorretas de vida que lhe passaram. Assim, lhe informo o erro: povo que não tem virtude acaba por escravizar (e se vangloriar por tal atrocidade)!

Essa semana ainda, a foto de uma negra, linda, empoderada e de turbante em uma turma de mais ou menos cinqüenta formandos de direito da Universidade Federal de Pelotas encheu minha timeline de alegria. Primeiro vi no Facebook dela e vibrei, depois comecei a ver a foto se multiplicando nas mais variadas páginas e me alegrei mais ainda, me enchi de orgulho e de esperança! Agradeci a todos aqueles que já passaram e lutaram para que hoje eu e ela tenhamos essa oportunidade e esse direito básico a educação; agradeci por ela, pela força, pela determinação e pela representatividade que me fez sonhar com o dia da minha formatura. Quando li o título do TCC então… apesar de não ser ligada as leis, quis ler na hora, pois fala da nossa cultura, da nossa religião e desse país “laico” que é o Brasil. Fiquei orgulhosa, senti como se fosse parte da história dela, torcia para que entregasse o TCC a tempo e agora continuo torcendo para a aprovação do mesmo. Tudo isso, mesmo nunca tendo se quer conversado com ela. Ela virou uma heroína pra mim, um exemplo a ser seguido, quase que da minha família, e não é?!

Preto não é tudo igual, mas todos os pretos são união, são guerreiros, são irmãos. Compartilhamos de uma mesma raiz e isso nunca vai ser entendido pelos outros. E acho que por isso me doeu tanto ver a dor do Abel Pedro no vídeo.

angolano

Fez a ferida, transformada em dor mansa, ficar exposta. Pensei em tanta coisa… Em tudo o que tem me revoltado, entristecido e me afastado de tanta gente. Cada um sabe suas dores e não tenho como comparar as minhas com as de Abel, pois tenho minha família, tenho minha religião, tenho uma casa e tantos outros privilégios. Mas Abel assim como eu, é preto e tem sua vida moldada e julgada pela sociedade por causa de sua cor. Sem falar, é claro, de ser estrangeiro e ter deixado para trás sua família em busca de oportunidades melhores; de estar no estado com mais imigrantes e por conta disso o mais opressor em termos de raça.

Esse vídeo exemplifica bem o que é ter privilégios, o que é ter virtude, o que é ter alguém que te represente. Não que o outro jovem não seja de boa índole, que não tenha suas próprias lutas (contra as quebradas do mar talvez), mas retrata bem o que são os brasileiros, o que é o Brasil, a imagem que tem na visão dos privilegiadxs e o que é de fato. Se “na Angola as pessoas, são pessoas! Aqui no Brasil não; aqui no Brasil parecem que ainda existem civilizados, bárbaros, selvagens e primitivos” continuamos sendo menosprezados, na História, nas Universidades, no trabalho, no dia a dia, porém preparem-se porque continuaremos lutando e resistindo, nos formando, trabalhando, nos empoderando e escurecendo as coisas cada vez mais!
Seguimos!

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