Um ano depois do assassinato de Floyd, negros ainda sofrem com violência policial

FONTEPor ​Midiã Noelle, do PerifaConnection
Perifa Connection/Divulgação

Há um ano, em Minneapolis (EUA), George Floyd, homem negro, pai, segurança e conhecido por seu jeito afetuoso e por gostar de basquete e de futebol, foi assassinado pelo policial militar branco Derek Chauvin.

O crime foi cometido sem nenhum pudor diante da câmera do celular da adolescente negra Darnella Frazier. Caso a garota de 17 anos não tivesse publicado o vídeo em uma rede social, possivelmente o crime não teria tido a grande repercussão em nível global, causando revolta e indignação, da população mais humilde a empresários, artistas, organizações sociais e sociedade civil.

Em tempos de pandemia, a frase “eu não consigo respirar”, dita pela vítima, virou reivindicação em várias partes do mundo pelo combate ao racismo estrutural. Derek Chauvin foi condenado e espera sua sentença final que pode chegar a 40 anos de reclusão.

Nos Estados Unidos, aumentou-se a vigilância ao trabalho de profissionais de segurança pública e foi instituída a proibição de estrangulamentos por parte da polícia.

Apesar da grande repercussão, as mudanças na punição à violência policial foram poucas. No Brasil, surgiram muito mais ações no campo do setor privado. Empresas que atuam no território brasileiro incorporaram ações pró-equidade racial e de inclusão de pessoas negras no seu quadro de funcionários.

Essas ações contribuem positivamente para a ascensão socioeconômica de pessoas pretas e pardas, mas, no que tange a estrutura social, precisa-se de um trabalho maior no enfrentamento a necropolítica (termo do filósofo Achille Mbembe) -—o caminho do Estado para decidir quem morre, quem vive, quem é punido e quem não é.

Em 2020, a pesquisa “Pandemia de Covid-19 e os Policiais Brasileiros”, realizado pelo Fórum de Segurança Pública, identificou que 50% dos policiais não se sentiam preparados para atuar no contexto pandêmico ou não souberam responder se estavam preparados para atuar neste período. O estudo ouviu 1540 policiais.

Um ano depois do estudo, o despreparo é comprovado por meio de casos como o de Genilson Santos Ribeiro, 51, taxista morto na varanda de casa, no bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador. Ele foi vítima de “bala perdida” da polícia militar no dia em que tinha decidido não sair de casa por medo da violência do bairro.

A comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, foi palco de um crime ainda pior: uma chacina em que 25 pessoas foram mortas (grande parte dentro de suas casas) em uma operação policial.

A impunidade caminha de mãos dadas com a violência policial. O caso do adolescente soteropolitano Davi Fiuza, 16, é um destes. Ele foi visto pela última vez em 2014, com as mãos e os pés amarrados, sendo colocado no porta-malas de carro escoltado pela Polícia Militar do Estado da Bahia.

De acordo com os dados do mais recente Relatório Anual da Anistia Internacional (2021), no ano de 2018, o Ministério Público indiciou sete policiais militares por sequestro e cárcere privado pelo desaparecimento de Davi.

“Em 2019, o caso foi transferido para um tribunal militar, contrariando as normas internacionais de direitos humanos. As audiências programadas para abril e junho foram adiadas, pretensamente devido à Covid-19. No fim do ano, nenhuma data havia sido marcada para as audiências”, aponta o documento.

Diante do caso de Davi e de tantos outros de jovens negros fica a pergunta: o que de fato mudou neste um ano após o assassinato de George Floyd? Para o Brasil, pouco.

Com a situação da fome no Brasil agravada pela crise gerada pela pandemia, sendo 19 milhões de pessoas nesta situação no país, em 2020, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, a tendência é que os casos de violência aumentem. A população está desesperada, não apenas para viver, mas para sobreviver. Sem vacina, comida e emprego, o que fazer?

Ainda de acordo o relatório da Anistia, a violência segue como parte da lógica punitivista do Brasil. Em outras palavras, enquanto não compreendermos que a luta precisa ser, além das forças policiais, no campo da estrutura governamental, não teremos mudanças efetivas.

Em abril deste ano, dois homens foram mortos após serem pegos furtando carne no supermercado Atakarejo, em Salvador. Familiares relatam que, em represália, os seguranças do local teriam entregado os jovens Bruno Barros, 29, e Yan Barros, 19, tio e sobrinho, para traficantes. Ambos foram torturados e mortos. Os corpos foram encontrados dentro de um porta-malas de carro.

Em 19 de novembro de 2020, João Alberto Silveira Freitas, 40, foi assassinado por seguranças do supermercado Carrefour. O crime, assim como o de Floyd, foi registrado em imagens. Assim como o caso de Bruno e Yan, crimes cometidos por funcionários contratados para manter a segurança. Em um país como o Brasil em que vigiar e punir é regra, casos como estes tem se tornado cada dia mais rotineiros.

A Carrefour pagou familiares de João Alberto e um dos dois acusados foi preso. Mas isso é o suficiente? Qual o desfecho? Já no caso dos jovens Barros, a polícia prendeu oito suspeitos do crime. Mas e o Atakarejo? Quando estes crimes irão parar? No país em que a arma tem se tornado símbolo de política de governo, a violência ainda é um símbolo de gestão pública. Quando se tratam de corpos negros, a herança da escravização prevalece, a morte quase sempre se torna regra.

​São tempos de luta e luto em um país de 450 mil mortos pela Covid. Mas também é de luto e luta para pretos e pretas, bem como povos originários, que ainda estão em busca da real liberdade. Que sigamos em equilíbrio, mas indignadas e indignados. E assim como Darnella, utilizando a tecnologia a nosso favor e sem nos calar. Se não há paz, não há justiça.

PerifaConnection

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento

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