Um país de Heloísas, Dudas, Agathas e Marcos Vinícius

FONTEEcoa, por Anielle Franco
Anielle Franco (Foto: Bléia Campos)

“Brasil, meu negô, deixa eu te contar” sobre a história em comum de Heloísa, Duda, Agatha e Marcos Vinícius. Quatro histórias interrompidas na primeira infância, o luto pelo futuro que eles não irão ter. Começo este texto saudando a memória e a saudade daquilo que nos foi tirado. O direito à vida, o direito de ser criança, o fomento à transformação de um país sempre deve partir da garantia de existência de nossas crianças, a próxima geração que trilhará novos caminhos de uma vida — esperamos — diferente.

Na última quarta (30), a menina Heloísa, de 6 anos, foi baleada e morta em Porto de Galinhas (PE), em uma operação do Batalhão de Operações Especiais do estado. Heloísa brincava em seu terraço, foi socorrida, mas não resistiu. Imediatamente, dezenas de familiares, moradores e ativistas foram às ruas denunciar, lutar por justiça, mas foram recebidos por tiros, bombas e uma repressão generalizada da polícia pernambucana.

E o que a trajetória de Heloísa tem em comum com a história do Brasil que não aparece no noticiário? Bem, a cruel narrativa que se nega a reconhecer faz parte das motivações que cotidianamente nos levam a sepultar a infância de nossas crianças e jovens. O racismo que estrutura as relações de poder, as desigualdades, os privilégios de classe, a narrativa de “guerra às drogas” que extermina a existência e liberdade de nossos corpos, tudo isso foi o que ‘gatilhou’ e interrompeu a vida de Heloísa, de Marcos Vinícius, de Agatha e Duda.

E é no luto que eu me encontro nesse momento, girada em uma corrente de solidariedade e ação para fomentar mais essa luta por justiça. Penso em minhas filhas, Mariah e Eloah, penso na esperança que eu nutro em um futuro onde elas possam viver com segurança, dignidade, afeto e oportunidades. O direito à infância é tão importante, não há como não pensar na forma que perdemos Heloisa, na forma que continuamos a perder tantos outros jovens.

Neste 2022, ano eleitoral onde as “cartas” estarão na mesa, disputas sobre o amanhã do país, teremos que priorizar um programa e plano de futuro em que nossas crianças negras tenham o direito de viver. Marcos Vinícius, 14 anos, foi assassinado pela polícia na porta de sua casa na favela da Maré, Rio de Janeiro. Antes de morrer ele disse à sua mãe: “eles não viram o uniforme?”. Duda foi baleada e morta dentro da sua escola, em Acari. Agatha Felix voltava de um parque de diversões quando foi baleada e morta, também pela polícia, dentro de uma kombi no Complexo do Alemão, no RJ. Emily e Rebecca, de 4 e 7 anos, foram mortas quando brincavam na porta de casa, assim como Heloísa.

São muitas trajetórias interrompidas, de pequenos brasileiros que não tiveram a chance de produzir suas próprias histórias e narrativas de mudança. Hoje, a política de futuro que queremos construir passa necessariamente pela proteção da vida de nossas crianças e jovens negros. Interromper o processo genocida para que o luto não vire regra, e sim a luta, a vida, o direito de se produzir outra saída que não seja impulsionada somente pela dor e trauma.

Aos familiares de Heloisa, toda minha solidariedade, meu afeto e o compromisso coletivo de que sua morte não será em vão. Nos levantemos!

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