O assassinato da ialorixá Bernadete Pacífico, Coordenadora Nacional da Articulação de Quilombos (Conaq) e liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, na Bahia, dia 17, expôs a violação de ao menos quatro direitos constitucionais reiteradamente sonegados aos negros no Brasil: vida, liberdade, segurança e propriedade.
A execução de Mãe Bernadete um mês após ter se encontrado com a presidente do STF e alertado para os riscos que corria expôs a omissão do Estado. Ou, nas palavras dela (gravadas em vídeo), “o descaso das autoridades, principalmente quando se trata do povo negro (….) É justo? O que nós recebemos é ameaças (….) Vivo assim, eu não posso sair, minha casa toda cercada de câmeras”.
Apesar da gravidade da denúncia, nenhum mecanismo foi efetivado para proteger a vida da ialorixá que, ao representar sua ancestralidade e lutar pela titulação das terras habitadas por quilombolas, incomodou e contrariou interesses.
O Incra é o órgão responsável pela regularização fundiária, e o IBGE estima que há no Brasil 5.972 localidades quilombolas, das quais uma minoria é oficialmente reconhecida: só 494 quilombos.
Destes, apenas 147 foram titulados desde que a Constituição Federal de 1988 reconheceu o direito ao território tradicional quilombola, ou seja, menos de 5 por ano. O quilombo Pitanga dos Palmares não é um deles: apesar de certificado desde 2004, ainda não teve a titulação concedida.
Sem isso, muitas políticas públicas necessárias para sobrevivência, trabalho e permanência das famílias nas comunidades não chegam aos territórios. A falta de titulação também aumenta o assédio de especuladores imobiliários, garimpeiros e espertalhões de todo tipo, gerando situação de permanente insegurança, cujo ápice é o assassinato de lideranças como Mãe Bernadete.
O Brasil está diante de um déficit gigante no que tange à regularização fundiária, sobretudo dos povos tradicionais, e de uma dívida irreparável com a vida. Até quando?