Use sua arma mais poderosa: o voto!

Violência se acirra com a proximidade do primeiro turno, com 9% da população temerosa em comparecer às urnas.

FONTEPor Kátia Mello

Há poucos dias do pleito, a cédula eleitoral é arma mais eficaz e poderosa para levar à lona o neofascismo vigente. É certamente a eleição mais tensa, mais agressiva e, ao mesmo tempo, a que nos dá maior esperança de derrotar o atual regime implantado há quatro anos. Existe uma película de tensão no ar com nada menos do que 67,5% da população brasileira afirmando ter medo de ser agredida “fisicamente pela sua escolha política ou partidária”, de acordo com pesquisa do Datafolha realizada entre os dias 3 e 13 de agosto. A mesma pesquisa demonstrou que 40% dos votantes esperam atos violentos no dia do pleito, e 9% admitem deixar de votar em razão disso. Se 9% realmente fizer isso, deixar de votar por medo, é um índice que poderá definir a situação eleitoral já no primeiro turno.   

A espiral da violência política, seja ela física ou virtual, teve a mesma previsibilidade astronômica de um meteorito despencando em direção à Terra. Muitas evidências, inclusive do próprio Geledés quando se juntou a outras 18 organizações para alertar a deputados, senadores e representantes de organizações sociais e sindicais locais em Washington, entre 24 e 29 de julho, alertando sobre as ameaças à democracia no Brasil, inclusive às nossas preciosas instituições. Ameaças que aumentam com a aproximação da votação. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou, inclusive, a proibição de circulação de armas 48 horas antes a 24 horas  após o pleito, incluindo o dia da eleição. O TSE não afastou o porte de arma, mas sim o portar armas nos locais de votação, assim como é determinado para os estádios, aeroportos e bancos, entre outros locais.

Maria Sylvia de Oliveira, advogada e representante de Geledés nessa comissão que foi a Washington, afirmou “que existe uma preocupação do Estado americano quanto à movimentação global da extrema direita em acabar com a democracia no mundo”. Diz ela ainda que “o Brasil é um país importante para os planos dessa extrema direita, tendo em vista a sua relevância na América Latina. Sendo assim, eles acompanham com atenção e apreensão as eleições no País”. A visita das organizações foi determinante para que figuras como o senador democrata Bernie Senders, que se reuniu com a comissão, se pronunciassem. Senders se posicionou recentemente a favor de um corte de relações dos Estados Unidos com o Brasil, suspendendo qualquer ajuda financeira ou militar ao País, caso haja uma ruptura democrática interna. 

Nesta quinta-feira 22, em atuação sem precedentes, oito relatores das Nações Unidas se encontraram para solicitar às autoridades, candidatos e partidos políticos no Brasil a garantia que as próximas eleições sejam “pacíficas e que a violência relacionada com as eleições seja prevenida”.  Vale destacar que o Geledés acaba de ganhar assento no comitê permanente do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU que pressiona o Brasil em relação às suas políticas econômicas e sociais. De acordo com o advogado e coordenador do SOS Racismo de Geledés, esse comitê “pode receber denúncias de violência política no País” e usar suas ferramentas para pressionar o governo federal. 

Na sexta-feira, 23, o papa Francisco recebeu das mãos de bispos católicos uma carta da Comissão Arns (Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns), da qual a coordenadora e fundadora de Geledés, Sueli Carneiro, faz parte, que cita “ameaças de ruptura da ordem democrática”. 

Os alarmes estão soando internacionalmente, porque os casos de violência política no Brasil estão estampados nas redes, nos jornais, nas imagens televisivas. São casos recorrentes de intimidação, ameaças e assassinatos de eleitores. O deputado democrata norte-americano Jamie Raskin, um dos nove membros da Comissão Parlamentar do Congresso dos EUA que investiga a invasão ao Capitólio, ocorrida em 6 de janeiro de 2021 naquele país, ressaltou sua preocupação no encontro com Geledés sobre o processo eleitoral brasileiro, segundo Maria Sylvia. “Para Raskin, a estabilidade democrática do Brasil é um assunto de relevância internacional e desta forma será tratada”, diz ela.

CÁLCULOS DA EXTREMA DIREITA 

Tudo isso foi e é metricamente elaborado, calculado, muito mais do que qualquer roteiro de filme hollywoodiano para nos tirar das urnas. Armar a população para este momento também faz parte deste plano. O número de armas de fogo nas mãos dos caçadores, atiradores e colecionadores chegou a 1 milhão em julho deste ano. Essas categorias têm sido as mais beneficiadas por normas editadas no governo Bolsonaro (PL) que facilitaram o armamento da população. O crescimento de armas é espantoso: 187% em relação a 2018, antes do atual governo.

No Rio de Janeiro, a situação é ainda mais alarmante com crescimento das milícias em 387,3%, segundo o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio, divulgado no dia 13 de setembro pelo Instituto Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF).  

“que existe uma preocupação do Estado americano quanto à movimentação global da extrema direita em acabar com a democracia no mundo”. 

Maria Sylvia

Tardiamente, o Supremo Tribunal Federal (STF), na voz do ministro Edson Fachin, concedeu, no dia 5 de setembro, três liminares ­­(decisões acompanhadas por outros ministros) que restringem os efeitos de decretos editados pelo atual presidente que facilitam a compra de armas de fogo e de munições, além da posse de armamento no país. Decretos que estavam sendo analisados pelo STF no ano passado e tiveram julgamento suspenso. 

Deixar de votar por medo pode definir a situação eleitoral do primeiro turno

MULHERES NEGRAS E TRANS, ALVOS CONSTANTES DA VIOLÊNCIA 

Desde a execução a tiros da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, avaliada pela Justiça brasileira como crime político que desafiou a intervenção militar na Segurança Pública do RJ, a escalada da violência política só se acirra por aqui, com especial alvo as mulheres negras e trans. “Todos os encontros (nos Estados Unidos) foram extremamente importantes para a comitiva, mas destaco a reunião das representações negras com o líder do Black Caucus, o congressista Hank Johnson e, também, com a congressista Sheila Cherfilus-McCormick com os quais conversamos e denunciamos a violência política contra as mulheres negras, violência que afeta diretamente a democracia no Brasil”, diz Maria Sylvia. 

Reportagem do UOL publicada no dia 21 de setembro com dados do Human Rights Watch destaca que no Brasil “os candidatos que mais são alvos de violência e ameaças políticas tendem a ser mulheres negras e pessoas LGBT, especialmente mulheres trans”. Texto ressalta ainda que cerca de 80% dos candidatos e candidatas trans acompanhados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) neste ano “têm recebido ameaças ou sido intimidados durante este período eleitoral”.

Aprovada em 2021, a Lei 14.192/2021, é a primeira legislação específica de combate à violência política de gênero, com medidas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra as mulheres. Neste sentido, o TSE criou canal relevante para receber denúncias, na página principal do Portal do Tribunal. Ou seja, qualquer pessoa pode de forma verbal ou escrita comunicar a ocorrência ao Ministério Público Eleitoral (MP Eleitoral), ao juiz ou a juíza eleitoral e/ou à autoridade policial por meio desta página. O Ministério Público também criou uma cartilha sobre a sobre violência política contra as mulheres que pode ser acessada nesta página, inclusive com informações sobre a legislação específica de combate à violência de mulheres e trans. https://www.mpf.mp.br/presp/publicacoes/cartilha-sobre-violencia-politica-e-violencia-politica-contra-as-mulheres/

A população negra, submetida à violência constante com o genocídio de um jovem morto a cada 23 minutos, não pode se deixar intimidar com mais essa prática de aniquilamento. É preciso denunciar, e estarmos atentos, atentas, e fortes. Sueli Carneiro, que por sinal acaba de ser a primeira mulher negra a ganhar o título de título de honoris causa da Universidade de Brasília, costuma dizer que para viver é preciso de coragem. Então vá às urnas e use sua mais poderosa arma: o voto!

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