‘Vamos continuar resistindo’, diz Luedji Luna sobre dificuldades da mulher negra na música

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Misturando diversos ritmos africanos e brasileiros nas suas composições, a cantora baiana Luedji Luna, 31, se tornou um dos nomes promissores da nova geração de cantoras do cenário musical alternativo no país. Ela que nasceu no bairro do Cabula, mas passou grande parte da sua infância e adolescência em Brotas, revelou, em entrevista ao Bahia Notícias, que a sua relação com a música começou de uma forma muito lúdica quando ainda era criança.

Por Lara Teixeira / Rafaela Souza, do Bahia Notícias 

TÁSSIA NASCIMENTO/DIVULGAÇÃO

“Cantar era minha brincadeira predileta, mas eu só tomei consciência com 17 anos, quando eu fiz a minha primeira música. Na adolescência eu comecei a escrever e a minha relação começou com a escrita, até mais do que com o canto, ou a música, e com 17 anos essa escrita foi se configurando em canções que eu tenho desde então”, relata a artista. Além disso, a influência musical foi algo que estava presente no convívio familiar, através do seu pai Cal Ribeiro, que era cantor e compositor.

 

Luedji é adepta do candomblé e falou sobre os desafios e dificuldades que encontra  no meio musical por ser uma mulher negra, que traz em suas músicas ritmos africanos e religiosos. “As dificuldades de estar nesse mundo que é racista e machista são algo que já está imposto desde que eu nasci, mas que a gente segue vivendo apesar da resistência da sociedade e do mundo em aceitar as nossas expressões, sejam religiosas ou artísticas”, argumenta. No entanto, Luedji admite que graças aos movimentos sociais anteriores a ela e outras mulheres negras importantes, os desafios de agora são outros. “Com certeza, foi mais difícil para Elza Soares do que para mim, mas ela continua sendo Elza Soares e eu continuo sendo Luedji Luna e vamos continuar fazendo o que sempre fizemos, resistindo e existindo apesar dos pesares”, completa.

 

Morando em São Paulo desde o ano passado, Luedji retorna à capital baiana para lançar a turnê do seu primeiro disco  “Um corpo no Mundo”, na sala principal do Teatro Castro Alves, nesta sexta-feira (17). A turnê, que começa em Salvador, vai percorrer por mais cinco capitais brasileiras, entre elas Aracaju, Maceió, Belo Horizonte São Paulo e Rio de Janeiro.

 

Você morou no Cabula, em Salvador. Como foi sua infância e como começou sua relação com a música?
Eu nasci no Cabula, mas me criei em Brotas, fui para lá quando eu tinha 7 anos. A minha relação com música sempre teve um lado lúdico. Cantar era minha brincadeira predileta, mas eu só tomei consciência com 17 anos, quando eu fiz a minha primeira música. Na adolescência eu comecei a escrever e a minha relação começou com a escrita, até mais do que com o canto, ou a música, e com 17 anos essa escrita foi se configurando em canções e é o que eu tenho desde então. A minha infância foi boa, tanto no Cabula como em Brotas, fui uma criança que teve infância.

Porque você decidiu sair de Salvador e como foi esse processo de mudança para São Paulo?
Foi um processo lento. Na verdade eu passei os dois primeiros anos transitando entre Salvador e São Paulo e depois, com o lançamento do disco, foi que eu fiquei definitivamente mais em São Paulo. Mas no início era muito lá e cá, estreitando relações aqui (SP), fazendo todo o network necessário e com o lançamento do disco começaram a surgir mais demandas por show e as coisas foram acontecendo. Eu passei a ter mais visibilidade e agora estou aqui na maior parte do tempo. Acho que eu fui para Salvador esse ano umas três vezes só.

Sobre a sua mudança para São Paulo, quais são as diferenças de mercado em comparação com a Bahia?
Acho que São Paulo, o Sudeste, sempre centralizou a riqueza do país. Existe uma desigualdade nas distribuições dos recursos, então sempre foi um lugar que teve mais recursos e mais atrativos para qualquer área de atuação, não só na música. É próprio da históra do Brasil, essa migração do pessoal do Nordeste indo para o Sudeste atrás de emprego, e outras condições de vida. E com a música não é diferente, São Paulo tem todo um circuito cultural rico, o circuito Sesc que alimenta o estado de São Paulo, tem uma diversidade de público, um público que tem grana e que consome, um mercado consumidor muito forte de cultura sobretudo, e é o que possibilita que a gente possa capitalizar a nossa arte, sobreviver disso. Salvador é maravilhosa, uma cidade rica culturalmente, e com muita coisa acontecendo até mais agora do que quando eu estava aí. Várias casas passaram a abrir e muita gente se articulando para realizar eventos, então Salvador está muito rica, como sempre foi. Eu acho que agora nós estamos passando por um processo de transição do que é essa música baiana, que ficava muito no estereótipo do axé, da música festiva e agora a gente consegue ver essa pluralidade da música baiana, são várias “Bahias” que existem agora. Eu acho que a diferença são os recursos daqui, mesmo que a Bahia tenha tudo com relação à pluralidade, capacidade, exportando sempre o que tem de melhor na música brasileira, desde Caetano e Gil, mas a gente ainda se “barra” em alguns recursos.

Você disse em entrevista que sofreu Bullying e racismo na escola. Isso influenciou de alguma forma na sua carreira?
Quando se trata de experiências de crianças negras, num ambiente escolar, o racismo se confunde com bullying. Todas as piadas, violências sofridas… não só por mim, mas isso é uma narrativa comum de boa parte das crianças negras, em qualquer contexto, mas sobretudo em um ambiente de colégio particular, em que somos minoria, mesmo em Salvador que tem maioria negra. Nessas escolas somos minoria. É uma violência não só dentro da escola, mas fora também, esse mundo e a violência das opressões sobre esse corpo, sobre minha trajetória, me influencia como um todo, na minha formação como ser humano, como mulher preta, e isso se espelha em como eu olho o mundo, na minha visão do mundo e a minha música é minha leitura de mundo. Eu acho que influencia dessa forma, não que esteja diretamente nas minhas letras ou músicas.

Você lançou seu primeiro disco, “Um Corpo no Mundo”, em outubro do ano passado. Fale um pouco sobre o processo dele. Vocês realizaram um financiamento coletivo no início. Deu certo? E depois vocês foram contemplados em primeiro lugar com o Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-Brasileiras…
Eu comecei com o Catarse [site de financiamento coletivo], pedindo um valor e consegui uma parte dele que foi usado também para a execução do projeto, e fui contemplada em primeiro lugar com o prêmio Afro, que foi o que de fato possibilitou que o disco se concretizasse. Foi um álbum gravado em São Paulo, com artistas e músicos de diversas linguagens e histórias e de vários lugares do mundo. Todos estavam livres para criar, então tem a identidade de cada um deles no disco, fazendo com que ele seja mais nosso.

O trabalho apresentado no disco é autoral?
Boa parte dele é autoral, eu faço questão de ser essa cantora que levanta essa bandeira da mulher na composição, mas tem músicas de autoria do meu pai, que é Cal Ribeiro, cantor e compositor de Salvador, tem uma música de autoria do François Muleka, que é quem faz o arranjo de violão, e tem uma canção e poesia de Tatiana Nascimento, que é uma parceira lá de Brasília, que é poeta, cantora, ativista, compositora, que é a música que encerra o disco.

Você segue uma religião de matriz africana. Isso foi determinante para a construção do seu trabalho? 
Eu sou candomblecista, sou recém iniciada na religião, e acho que foi fundamental no processo. Um ano depois de iniciada no Candomblé eu comecei a gravar o disco, e não é algo que é visível nem que está presente nas letras, eu não trago canções diretamente atravessadas pelo candomblé, mas a energia de todo aquele processo de iniciação e  de estar restrita a algumas ações influenciou de alguma forma no resultado final.

Quais as dificuldades de ser uma mulher negra que traz ritmos africanos e religiosidade no meio musical?
Eu acho que a dificuldade que está de ser uma mulher preta, nordestina, candomblecista no mundo. As dificuldades de estar nesse mundo que é racista, seja racismo religioso, e que é machista, é algo que já está imposto desde que eu nasci, mas que a gente segue vivendo apesar da resistência da sociedade e do mundo em aceitar as nossas expressões, sejam religiosas ou artísticas. As dificuldades são as mesmas enfrentadas pela minha tia, que acorda de manhã cedo para pegar um ônibus e ir trabalhar na casa dos brancos. Mas agora os desafios são outros, eu acho que esse lugar que eu estou de poder ser escutada e ter visibilidade na mídia, isso só está acontecendo agora, mesmo eu sendo uma mulher negra e candomblecista, porque houve uma pressão social anterior, dos movimentos negros, da militância, que abriram portas para que a gente pudesse estar aqui, para falar um pouco mais, para “arrombar” ainda mais essas portas. Então, as dificuldades são talvez um pouco mais mitigadas por causa dessas lutas que já aconteceram anteriormente. Com certeza foi mais difícil para Elza Soares do que para mim, mas ela continua sendo Elza Soares e eu continuo sendo Luedji Luna e vamos continuar fazendo o que sempre fizemos, resistindo e existindo apesar dos pesares.

Você é co-fundadora do Palavra Preta, mostra que reúne compositoras e poetas negras do Brasil. Vocês inscreveram a Mostra em algum edital? Estão esperando resposta? 
O Palavra Preta a gente realizou este ano em Brasília, porque fomos convidados pela Secretaria de Cultura de lá e fizemos com poucos recursos. Nos inscrevemos em um edital do Itaú este ano mas não fomos contempladas, mas ano que vem vamos nos inscrever em outro porque queremos dinheiro para fazer as coisas. Já fizemos alguns Palavra Preta na raça, e foi importante, mas nós entendemos que precisamos de mais estrutura e de apoio e até para contemplar mais mulheres negras de todos os cantos do Brasil que não conhecemos, mas que elas existem e estão produzindo e para isso precisamos da grana da passagem, hospedagem ou até de um cachê. Então estamos na fé de que vamos conseguir ano que vem algum edital.

Qual é expectativa de iniciar a turnê em Salvador, ainda mais no Teatro Castro Alves?
Eu estou feliz que finalmente a gente vai conseguir chegar em Salvador com esse disco. É a primeira vez que eu vou tocar o álbum “Um Corpo no Mundo”, porque eu só fiz pockets shows quando toquei aí. Nada mais justo do que Salvador ser a primeira cidade a receber esse show. Estou muito contente pelo fato de ser no TCA, um dos maiores palcos que a gente tem na cidade, que já recebeu nomes importantíssimos da música popular brasileira, acho que isso vai agregar valor na minha carreira. E também estou feliz porque vou ter Tiganá Santana, que eu sou fã. Olha, eu me acabo com esse homem. Fui para muito show deles, e de repente ele lá. Então a cereja do bolo é a presença de Tiganá lá.

 

Porque você convidou Tiganá Santana para participar do show? Fale um pouco sobre essa parceria.
Tiganá é um “crush” universal, uma referência para mim, sempre foi inspiração pra mim em termos de som, as escolhas que ele fez nos discos, o minimalismo, as músicas que são quase orações. Eu me identifico muito com o jeito que ele compõe, como ele está no mundo mesmo e sempre foi uma grande inspiração para mim. A gente se conhecia porque eu era fã, que ia para todos os shows, que ficava na frente do palco, depois ia para a fila para abraçar, então ele me conhecia só disso. E aí o mundo deu mil voltas, eu acabei sendo produzida pelo produtor dos dois últimos álbuns dele, e nos aproximamos mais e hoje estamos aí, cantando juntos finalmente.

 

Você pensa em fazer parcerias musicais com outros artistas?
Da Bahia, eu acho que o Lazzo Matumbi, eu amaria cantar com ele. Acho que o Cal Ribeiro, que já foi um professor para mim também. Eu já namoro bem com essa nova geração de compositoras, a Josyara, a Larissa Luz, com quem eu já cantei. Mas da velha escola acho que o Lazzo.

 

Quais são os seus projetos para o futuro, algum clipe previsto para ser lançado?
Tem um clipe encaminhado para sair, mas eu não posso dar spoiler. Mas tem dois até o final do ano para serem lançados. Tem também um show experimental que eu tô fazendo com algumas composições novas que eu estou escrevendo e que podem ser um possível projeto de novo disco.

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