Violência obstétrica: é preciso falar mais sobre esse assunto

FONTEPor Larissa Cassiano, do Viver Bem
Foto: iStock

Você sabe o significado das palavras violência e obstetrícia isoladamente?

Violência: ação ou efeito de empregar força física ou intimidação moral contra; ato violento.

Obstetrícia: do latim obstare que significa “ficar ao lado”.

Uma parece não ter nenhuma possibilidade de estar ligada a outra, mas infelizmente no cenário brasileiro muitas vezes elas se cruzam.

A violência obstétrica, como toda violência, algumas vezes paralisa e pode gerar um trauma sentido, mas que nem sempre é compreendido, por causa disso é comum a vítima se sentir culpada por um desfecho que ela não possui nenhum controle e isso pode acontecer em todos os serviços de saúde sem limitação por classe social.

Melania Amorim, médica, ginecologista e obstetra, cientista, pesquisadora e uma defensora da assistência ao parto humanizado destaca a importância em compreendermos que a violência obstétrica pode ocorrer em qualquer momento, não apenas no parto, pois ela permeia toda a assistência obstétrica e inclusive acontece durante o pré-natal, parto, aborto, puerpério e durante o pré-natal, muitas vezes é possível já observar atitudes violentas do profissional.

Ela ressalta o cenário complexo de médicos em formação que têm sua base de ensino composta por atitudes intervencionistas baseadas em procedimentos e não na compreensão da fisiologia do parto, alguns procedimentos que não devem fazer parte da assistência ao parto, e já tem dados consistentes sobre a ineficiência.

Primeiramente, a manobra de Kristeller, técnica realizada para acelerar o trabalho de parto pressionando o abdome da gestante, depois, a episiotomia, feita rotineiramente por muitos profissionais, mas que já possui na literatura dados mostrando seus malefícios.

Uma revisão sistemática destaca que foi encontrada uma frequência de desrespeito e maus-tratos durante o parto de 43% e durante o aborto 29%, porém Melania acredita que esse número é muito maior, pois muitas vezes as intervenções violentas estão mascaradas por atos singelos que podem não ser notados pela paciente no momento.

Dentre as formas de assistência ao parto, a assistência multidisciplinar é uma das possibilidades para que durante o parto velhas atitudes, muitas vezes violentas, possam ser deixadas de lado e substituídas por equipes com profissionais alinhados, com conhecimento técnico e respeitoso para que o parto não seja feito pelo profissional e, sim, assistido pelo profissional e protagonizado pela gestante.

Entre os profissionais envolvidos estão as doulas, profissionais que auxiliam na vivência da gestante durante o pré-natal proporcionando um parto com acolhimento e conhecimento, e podem auxiliar na escolha dos demais profissionais envolvidos na assistência ao parto.

Pontos que a doula Laura Muller destaca: “É possível trazer opções. Como é comum acharem certas intervenções necessárias por falta de informações, muitas gestantes acabam optando por profissionais desatualizados ou que de fato não tem comprometimento com evidências atualizadas. Orientamos a buscar os índices de cesarianas e partos, perguntar ao profissional sobre o parto, sobre algumas intervenções, sobre o plano de parto, dependendo da resposta já podemos identificar o caminho a seguir.”

Atualmente, sabemos que muitas coisas são desnecessárias e até mesmo prejudiciais durante o parto, entre elas a velha frase de “faça força”, essa frase é dita durante o trabalho de parto e é conhecida como puxo dirigido.

Segundo Alexandre Delgado, fisioterapeuta pélvico: “O puxo materno aparece quando a mulher tem a vontade de empurrar o feto para baixo. Ele pode ser de forma espontânea, o natural e é, inclusive, o recomendado pela OMS, pois é possível observar que, naturalmente, as mulheres realizam vocalizações, gemidos, gritos, rugidos e arquejos, diferentemente do dirigido.”

Ele ainda ressalta que o puxo dirigido é direcionado pelo prestador de cuidados e pode trazer malefícios como sobrecarga cardiovascular, respiratória materna e fetal, com repercussão no fluxo sanguíneo do útero e da placenta.

Diante deste cenário ele finaliza com um fato muito importante: “Não há evidência respaldando os profissionais de saúde ficarem gritando ou dando comandos verbais com palavras inapropriadas durante o período expulsivo, pois isso muda todo o contexto que deveria ser natural, fisiológico e único para a mulher.”

Para conquistar um parto com respeito, que deveria ser a regra, mas que infelizmente não é, Giovanna Balogh, jornalista e autora do site Mães de Peito, deixa alguns pontos de como as redes sociais podem ajudar: “Os médicos podem —e devem— usar essa ferramenta a seu favor. Mas o papel deles é trazer informação baseada em evidências, com ética e muita responsabilidade. Na minha tese de pós-graduação, vi que muitos pacientes têm seus casos expostos, o que fere o Código de Ética Médica e a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) na questão da publicidade. Antes de escolher o médico, leia relatos de parto sobre ele e peça informação sobre o médico em grupos virtuais pró-parto humanizado.”

Infelizmente, mesmo com acesso à informação, algumas pessoas ainda sofrerão violência obstétrica, para reduzir essa possibilidade, o plano de parto, documento elaborado pela gestante com suporte do profissional que a acompanha para ela deixar ali expresso seus desejos durante o parto, pode auxiliar.

Alguns serviços e profissionais ainda se negam a aceitar e considerar o plano de parto, mas a advogada Ana Carolina Brochado Teixeira, doutora em direito civil pela UERJ e mestre em direito privado pela PUC-MG, ressalta que: “Conquanto ele não esteja previsto de forma expressa em lei, sua existência, validade e eficácia pode ser presumida pelos princípios da autonomia e da dignidade humana, sendo um instrumento importante para a autodeterminação da gestante que deve ser levado ao conhecimento do médico e da equipe de saúde e que só não deve ser atendido se houver intercorrências que coloquem em risco a vida e a saúde da gestante e do bebê.”

Nos casos de violência, Ana Carolina conta como é possível denunciar: “São várias possibilidades: perante a direção clínica do hospital, os conselhos regionais de classe e o Poder Judiciário. Em alguns casos mais graves, ela pode ser tipificada como crime, requerendo providências na ordem penal, o que comporta denúncias em delegacias de polícia e promotorias.”

O processo entre o reconhecimento da violência e a denúncia pode ser muito doloroso, mas não deve ser esquecido, algumas violências não deixam marcas visíveis e talvez isso não permite dimensionar o tamanho da dor, essa mudança de cenário depende da Justiça, mas também da nossa sociedade.

Deixo registrado aqui meu carinho a todas as gestantes vítimas de situações violentas, que socialmente possamos compreender que o nascimento é a chave para continuidade da sociedade.

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