Violência política contra mulheres, negros e LGBTs ameaça o exercício democrático nas eleições

Comissão de Direitos Humanos do Senado lança um canal exclusivo para recebimento de denúncias de agressões com motivações políticas

FONTERede Brasil Atual
Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, vereadora assassinada em março de 2018, lembrou que a morte da irmã é um exemplo claro do ponto a que pode chegar a violência política/ Fernando Frazão/Agencia Brasil

A violência política é uma ameaça à representatividade e à democracia e tem como principais vítimas mulheres, negros e a comunidade LGBTQIA+. O alerta foi feito durante uma audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), no Senado, na última quinta-feira (17).

A sessão virtual, organizada pelo presidente do colegiado, Humberto Costa (PT-PE), buscou alertar que a violência política pode ser entendida como um ato de violência com motivação política, tendo como consequência, além dos potenciais danos físicos e psicológicos às pessoas atingidas, uma ameaça real às instituições democráticas e à regularidade do processo eleitoral.

O senador citou estudo “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, feito entre janeiro de 2016 e 1º de setembro de 2020, publicado pelas entidades Terra de Direitos e Justiça Global, mostrando que a maioria das vítimas de violência política é composta por mulheres que atuam na representação Legislativa. O estudo também catalogou 59 ofensas com conteúdo discriminatório, sendo 76% delas direcionadas a mulheres, tendo como principal alvo as negras.

Humberto Costa enfatizou que a violência política é misógina. “São ações que buscam silenciar aqueles que, depois de anos de luta, conquistaram um espaço com representação política”, afirmou o senador. “Isso ocorre a partir do momento em que se estabelece que homens brancos heterossexuais são detentores de todo o poder e todos aqueles que não se encaixam nessa descrição são inferiores e, por isso, não devem ocupar espaços de poder. Estamos falando aqui de atos que buscam, acima de tudo, deslegitimar pessoas que foram eleitas ou que estão utilizando os mecanismos da democracia para, acima de tudo, dar voz  àqueles que historicamente são silenciados por uma sociedade extremamente preconceituosa”, acrescentou.

Desigualdade

Durante a audiência, o senador Fabiano Contarato (PT-ES), vice-presidente da CDH, destacou que é preciso sempre lembrar que a Constituição de 1988 registra que “todos são iguais”. Ele admitiu, no entanto, que a prática mostra uma realidade diversa e questionou se o Congresso tem representado, de fato, toda a diversidade da população brasileira.

Contarato lembrou que, dos três poderes, o único que ainda não foi presidido por uma mulher é o Legislativo. Segundo o senador, o trabalho e a luta por uma maior representatividade precisam ser constantes. “Infelizmente, o Congresso Nacional é preconceituoso, é racista, é homofóbico, é misógino. Isso também é uma violência política”, criticou.

Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputado Carlos Veras (PT-PE), afirmou que a violência política precisa ser considerada inadmissível em um ambiente democrático. Ele lembrou que representantes políticos são legitimados pela lei e pelo povo. Veras lamentou o clima de ódio na política nos últimos anos e pediu união na luta pela democracia. “Vamos seguir nessa luta permanente, contra todos preconceitos e contra toda a violência. Quando um representante político é agredido, é uma agressão ao povo”, disse.

Violência política contra LGBTs

A audiência contou com a participação de representantes da sociedade civil. A cientista política Rafa Ella Brites Matoso, integrante do Movimento #VoteLGBT, relatou vários casos de violência contra políticos ligados aos direitos da comunidade LGBT. Para ela, é preciso destacar a diversidade sexual em um debate democrático. Rafa Ella lembrou que a expectativa de vida da população trans no Brasil é de apenas 35 anos e cobrou cuidado com essas populações.

“A gente está evidenciando que as parlamentares trans e negras estão sofrendo ameaças de morte no Brasil. Penso que considerar a interseccionalidade das mulheres na hora de dispensar a proteção dessas lideranças contra a violência política é algo urgente. Não deixamos de bradar por essa pauta, por essa urgência. Afinal, são urgências de vida. Trata-se de defesa da vida dessas pessoas, não só para evitar que se tornem novas ‘Marielles’, mas para garantir que essa pessoa possa existir”, acrescentou.

Para a pedagoga Iêda Leal, representante Movimento Negro Unificado, os deputados e senadores precisam ter consciência da “oportunidade histórica” de atuar em defesa das minorias do país. Iêda Leal afirmou que violência política tem a estratégia de eliminar representantes de minorias das instâncias representativas de poder. Ela ainda manifestou solidariedade a todos os brasileiros vítimas de violência e de racismo.

A jornalista Anielle Franco, irmã de Marielle Franco e fundadora do instituto que leva o nome da vereadora assassinada em março de 2018, lembrou que a morte da irmã é um exemplo claro do ponto a que pode chegar a violência política. Segundo Anielle Franco, a morte de Marielle não pode ser “colocada em um pedestal”, pois muitos outros assassinatos ocorrem no cotidiano do país. Ela ainda afirmou que nenhuma mulher pode ser assassinada por decidir entrar para a política.

“Violência essa que atravessa, majoritariamente, os corpos negros, violência essa que existe e tem atingido mulheres. Agora, quando a gente pergunta se vão se candidatar em 2022, são mulheres que dizem que não, por temerem suas vidas. Essa violência que assassina Marielle também escancara o quanto a democracia brasileira é frágil. Eu não quero colocar minha irmã num pedestal quando a gente fala de violência política, porque milhares de pessoas, infelizmente, no país têm sido assassinadas, mas a Mari estava ali, no exercício do seu mandato. Então, é uma violência que atravessou minha família e pode vir a atravessar outras”, afirmou Anielle.

Canal de denúncia

Ao término da sessão, a Comissão de Direitos Humanos lançou um canal exclusivo para o recebimento de denúncias de violência política. A partir de agora, as pessoas que forem vítimas ou presenciarem atos de violência política poderão formalizar a denúncia à CDH pelo email: violenciapolitica@senado.leg.br.

Com os dados, a ideia é buscar junto às autoridades ações, providências e iniciativas que possam responsabilizar e punir atos de violência política no Brasil. O documento ainda vai servir para chamar a atenção, diante da proximidade das eleições, para a necessidade de antecipar medidas que impeçam qualquer manifestação de violência política e implementar mecanismos de enfrentamento.

“Assim podemos dar encaminhamento às denúncias que recebermos, como fiscalizar e acompanhar o andamento dos casos. É fundamental que o Congresso Nacional não fique silente diante de tantas atrocidades vividas por importantes lideranças políticas do Brasil”, destacou Humberto ao fazer a divulgação.

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