Foi surpreendente a votação obtida em São Paulo por um candidato a prefeito que explicitou a violência física em debates televisionados. Provocações que resultaram em uma cadeirada, socos, uso de documentos falsos, tudo valeu para se destacar entre os demais postulantes. E mesmo assim esse candidato esteve entre os mais votados da cidade. Como entender essa realidade?
A terceira edição da pesquisa “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, da Terra de Direitos e Justiça Global, publicada às vésperas destas eleições, revela um aumento de 130% na violência política em relação a 2020. A Agência Pública já apontava que em 2022 tivemos uma das eleições mais violentas da nossa história. A violência focaliza candidaturas que defendem direitos humanos e grupos que não estão nos espaços de poder e decisão, nos informa Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da Terra de Direitos.
Em mais de 70% dos casos em que é possível identificar os agressores, eles são homens brancos cisgênero. A Agência Pública ressalta que 51% das violências foram motivadas por discordância política. Igualmente se destacam a violência contra mulheres, o racismo e a LGBTfobia.
O cientista político Felipe Borba diz que a eleição de 2022 teve “um clima inédito de violência alimentada por um clima de ódio, que considera o adversário um inimigo que pode ser eliminado”. Ele ressalta que é um discurso que aparece em 2018 —”metralhar a petralhada”, “extirpar essa raça”, “bem contra o mal”— e vai ganhando a sociedade.
A pesquisa também revelou que partidos de esquerda são os alvos mais frequentes da violência política. Isso nos lembra o fascismo que ataca intelectuais e preconiza a discriminação de raça, gênero e orientações sexuais contra-hegemônicas, além de atacar a ciência, a arte e os profissionais de comunicação, entre outros.
O psicanalista Christian Dunker chama a atenção para o fato de que “o aumento da igualdade na sociedade é o que causa parte dessas reações”. Esses atos surgem em razão do avanço da democracia.
Corroborando o que diz Dunker, Sandra Capomaccio escreve em publicação do Instituto de Psicologia da USP que o empobrecimento da alma fez com que a agressividade se transformasse em violência, deixando algumas pessoas mais intolerantes.
Vivemos até há pouco tempo um período de quase seis anos de apologia e facilitação do acesso às armas, da naturalização do discurso de violência, e esse contexto fez aumentar o feminicídio, a violência nas escolas e a violência doméstica. Para nos contrapor a esses valores, também presentes no atual contexto eleitoral de nossa cidade, precisamos de uma aliança democrática, progressista, com base na concepção de uma cidade para todos os seus diferentes segmentos, as diversas culturas, religiões e gêneros e que seja também respeitosa e protetora de seu meio ambiente.
Cida Bento – Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP