Vizinho de africano detido ao grito de ‘vai gritar Lula lá na África’ estava com o amigo na hora da prisão: ‘Achei errado’

Homem negou boca de urna por parte do amigo preso, em Novo Gama. MP pediu esclarecimentos sobre a ação da polícia e investiga o caso que ocorreu no domingo de eleição; um dos policiais foi afastado.

FONTEPor Gabriela Macêdo e Gabriel Buosi, do G1
Jovem preso por suposto crime de boca de urna ouve que 'vai gritar Lula na África' em Novo Gama, Goiás (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

O vizinho do africano detido ao grito de ‘vai gritar Lula lá na África’, João Pedro Silva, contou que estava com o amigo na hora da prisão, em Novo Gama, no Entorno do Distrito Federal. O homem de 32 anos que preferiu não se identificar foi detido no quintal de casa por declarar apoio ao candidato do PT. Um vídeo registra a cena.

“Eu achei errado nós estarmos lá dentro, entre os amigos, [eles entrarem], falarem que é boca de urna, e levar ele preso”, avaliou João Pedro.

O caso aconteceu no domingo (2), dia em que ocorreu o primeiro turno das eleições. Na ocasião, o homem participava de um churrasco com os amigos, que acompanharam de perto o momento em que ele foi algemado e levado pelos policiais.

João Pedro ainda negou que o amigo que foi detido estivesse entregando panfletou, santinhos, adesivos, entregando qualquer tipo de material de propaganda ou pedindo votos para o candidato que apoia no momento em que foi preso.

“Estávamos dentro do lote assando uma carne, eles entraram e algemaram ele. Em momento algum ele entregou panfletos, ele só estava gritando [o apoio] dentro de casa”, completou João.

O vídeo que mostra a prisão foi publicado nas redes sociais do jornalista André Caramante. Após as imagens circularem nas redes sociais, o Ministério Público (MP) pediu à Polícia Militar explicações e as identidades dos envolvidos, além de instaurar um procedimento para investigar o fato. O MP disse ainda que repudia e atua em diversas frentes no combate ao racismo.

Em nota, a Polícia Militar disse que, assim que ficou sabendo, determinou a abertura de um procedimento administrativo para apurar a circunstância do caso e afastou um dos policiais militares envolvidos das suas atividades operacionais até o final das apurações. A PM ainda disse que “não compactua com nenhum tipo de conduta contrária aos preceitos das leis”.

Prisão em casa

Ao g1, o africano contou como foi o momento em que os policiais entraram em sua casa e o levaram preso.

“Eu acordei de manhã, estava sem camisa, sem sapato. Eu estava na minha casa com meus amigos, fazendo churrasco. Eu sou apoiador do Lula, mas ninguém tem o direito de vir na minha casa para me prender porque eu quero que o Lula ganhe”, disse.

O homem explicou que mora a cerca de 200 metros de um local de votação e que, após acordar, foi fazer um churrasco com amigos no quintal de casa. Como é apoiador do Lula, ele disse que, durante a confraternização, falou abertamente sobre querer a vitória do candidato. Após isso, em determinado momento, ele disse que a polícia entrou no terreno dele sem justificativa e o prendeu.

“Eu falei para ele [policial] que eu simplesmente queria que o Lula ganhasse, e ele chegou me agredindo dentro do meu lote e me prendendo. Colocaram uma pistola e falaram para eu colocar as mãos para trás”, disse.

No vídeo, o homem aparece sem camisa sendo algemado. Durante a abordagem, é possível ouvir a frase “vai gritar Lula lá na África agora”. Na sequência, um outro homem diz que o jovem estaria sendo preso por ser eleitor do Lula. Ao g1, o africano afirmou que quem falou a frase foi o policial que estava o algemando.

O homem mora há oito anos no Brasil. Apesar disso, ele diz que ainda não vota no país, mas tem direito de expressar sua opinião. Inicialmente, a polícia chegou a afirmar que o homem negro teria sido algemado e preso porque estaria próximo a uma seção eleitoral supostamente fazendo boca de urna para o candidato Lula, do PT.

g1 apurou que o jovem chegou a ser levado à polícia, mas, por não portar materiais eleitorais, foi liberado. A reportagem ainda acionou a Justiça Eleitoral para apurar se, mesmo sem ter sido mantido preso, houve registro de crime eleitoral envolvendo o jovem, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.

PT se manifestou sobre o caso

Em nota, a presidente do Partido dos Trabalhadores de Goiás (PT), Kátia Maria, se posicionou sobre o caso e disse que “as imagens mostram cenas de racismo e violência política”. O partido ainda informou que advogados vão acionar a corregedoria da PM e a Guarda Municipal de Novo Gama para apurar o caso, além do governador Ronaldo Caiado (União Brasil), pedindo a apuração, punição dos envolvidos e a orientação da corporação para evitar novos casos.

“Não vamos permitir intimidação, perseguição política e policial aos apoiadores do Lula em Goiás. Vivemos num estado democrático de direito e exigimos respeito à liberdade de escolha e expressão da população”, diz a nota.

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