“Até que a Filosofia que mantém uma raça superior e outra inferior seja finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada, em todo lugar haverá guerra. Eu digo que haverá guerra até que não existam cidadãos de primeira e segunda classe em qualquer nação. Até que a cor da pele de um homem não seja mais importante do que a cor dos seus olhos, eu digo que haverá guerra.”
E não sou eu quem está dizendo, é Bob Marley. Sempre que ouço a letra de “War”, penso em um discurso para milhares de pessoas. Mas nada conquista mais “corações e mentes” do que essas palavras cantadas e dançadas do jeito que são.
Falando em “War”, quando eu era criança, um episódio de “A Família Dinossauro” me marcou para sempre. Os adultos acham que as crianças não entendem, mas há sempre algo que fica. A série é vendida como infantil, mas traz temas bem adultos para a época.
Ali, já me chamava atenção a personagem Mônica, criticada por ser independente, solteira e sem filhos. E me indignavam as injustiças trabalhistas sofridas pelo Dino. Você acha que seus filhos estão ouvindo “não é a mamãe!”, mas eles estão aprendendo sobre gênero e classe.
O episódio que me marcou? A guerra dos pistaches. Era uma paródia das guerras americanas, com referências à Guerra Civil e ao Vietnã. Mas o que me chamou atenção era o slogan da guerra: WAR, um acróstico para We Are Right (nós estamos certos, em português).
O motivo da guerra era a invasão de quadrúpedes a áreas de cultivo de pistache, o que gerou uma escassez do produto e o consequente aumento de preço, e como isso ameaçava a maneira de viver dos bípedes. No fim a gente descobre o real motivo.
Com o tempo, as coisas se agravaram, novas armas começaram a ser usadas e a imprensa fazia questão de mostrar à população, já cansada, que a guerra era necessária, porque eles continuavam certos. Para isso, apresentavam os dinossauros de duas patas como diferentes e superiores, dinossauros de bem, e que isso justificava a “guerra contra o mal”.
Em “A Família Dinossauro” a guerra acaba quando um jovem morre, a imprensa divulga e a popularidade do líder cai. Mas esta é uma obra de ficção. Na vida real, apesar das 55 vítimas de bala perdida só este ano no Rio, uma pesquisa divulgada em abril pelo Instituto Paraná Pesquisas mostrou que o governo Cláudio Castro é aprovado por 45,4% dos cariocas. Na semana passada, segundo o Instituto Fogo Cruzado, o Grande Rio enfrentou a semana com o maior número de vítimas de balas perdidas em 2024, cinco ao total, com três mortos.
Só no conjunto de favelas da Maré, foram 17 operações policiais em 2024. Em cada uma delas, o Maré de Direitos, projeto do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, recebeu denúncias de violações como a ausência de perícia em casos de mortes e câmeras nas fardas dos agentes da polícia, falta da presença de ambulâncias, invasões de domicílios e cárcere privado.
Quando ouço o governador classificar uma operação de 32 horas seguidas de tiros em um território com mais de 140 mil moradores como sucesso, eu só consigo escutar: “Nós estamos certos.”
“Até que os direitos humanos básicos sejam igualmente garantidos a todos, sem discriminação de raça, isso é guerra. Até esse dia, o sonho de paz duradoura, a cidadania mundial e as regras de moralidade internacional permanecerão como ilusões fugazes a serem perseguidas, mas nunca alcançadas. Agora em todo lugar haverá guerra.” E não sou eu quem estou prevendo, é Bob Marley.