Vote contra o racismo ambiental e por políticas de adaptação climática antirracista

FONTEGênero e Número, por Mariana Belmont
Foto: Divulgação filme "Favela do Papa"

Eu nasci e cresci em Parelheiros, no extremo sul da cidade de São Paulo. Periferia rural, longe do centro, repleta de cachoeiras, território indígena, muitos terreiros de candomblé e água, muita água. Minha família e meus amigos ainda moram lá. Gosto de dizer que no mundo em que eu nasci cabe uma imensidão de cantos e de gentes. Tentamos manter a beleza e a generosidade da natureza, mas, ao mesmo tempo, enfrentamos um território tomado por um coronelismo perverso na política.

Da infância à vida adulta, acompanhei ali as movimentações políticas desonestas, planos diretores negociados e a resistência da população em busca de qualidade de vida.

O que mudou?

Eu poderia recitar clichês insuportáveis, mas também não aguento mais. As cidades precisam ser justas; precisam nos caber e acolher. Precisamos de segurança para andar a pé, de ar puro, água de qualidade, casas para morar e coleta seletiva. A lista de necessidades é extensa e parece simples, mas as demandas básicas das cidades nunca foram prioridade. A especulação, a remoção, o desrespeito e a segregação são como a sociedade planejou nossas cidades.

Recentemente, assisti ao documentário “Favela do Papa”, de Marco Antônio Pereira, que retrata a resistência dos moradores da Favela do Vidigal contra uma ordem de remoção, um capítulo importante da história do Rio de Janeiro nos anos 1970. Por meio de imagens de época e entrevistas, o filme ilustra a confluência de entidades e personalidades em defesa da permanência dos moradores em seu território. Ele me atravessou, porque mostra como se produzem desigualdades e racismo nas cidades. Quem tem direito a viver em lugares com qualidade ambiental e social?

As eleições municipais nos alertam sobre a importância de escolher vereadores e prefeitos dispostos a retirar o risco e não as pessoas, priorizando a vida na construção das cidades. Não podemos mais aceitar cidades que geram desigualdades, aprofundam o racismo e não oferecem segurança para caminhar ou respirar.

As cidades precisam de saneamento básico

As mudanças climáticas contribuem para o racismo ambiental nas cidades. Segundo o Censo 2022, as restrições de acesso ao saneamento básico eram mais evidentes entre jovens, pretos, pardos e indígenas. A população de cor ou raça amarela teve maior acesso à infraestrutura de saneamento, seguida pela de cor ou raça branca.

De acordo com a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional no país resulta da coabitação, precariedade e ônus excessivo com aluguel. Em todas as regiões, o maior percentual do déficit habitacional está em domicílios chefiados por mulheres. Além disso, pessoas pretas e pardas são as mais afetadas pela coabitação e precariedade habitacional, representando cerca de 66% do total. É crucial destacar que os domicílios chefiados por pessoas negras concentram 74% do déficit relacionado à precariedade.

A agenda ambiental e de segurança climática será central para os direitos humanos nos próximos dias, meses e anos. Não temos mais tanto tempo para adaptar as cidades. A Rede Por Adaptação Antirracista, composta por grupos de mais de 15 estados do Brasil, articula políticas de adaptação climática que considerem os efeitos do racismo ambiental. O conceito de adaptação antirracista, formulado por essa rede, tem sido utilizado para incidência junto a parlamentares em diferentes níveis e foi enviado aos candidatos a prefeituras em várias cidades, enfatizando que as políticas urbanas devem enfrentar as desigualdades raciais.

“Adaptação climática antirracista é o enfrentamento às desigualdades raciais, de gênero, geracionais, sociais, regionais e territoriais, a partir de um conjunto de políticas públicas estruturantes, interseccionais e intersetoriais. Essas políticas devem ter como foco assegurar o bem viver, a proteção das vidas vulnerabilizadas e a conservação dos biomas, através de medidas estruturais e emergenciais.

As políticas de adaptação antirracista, em sua concepção, planejamento, financiamento, implementação, monitoramento e avaliação, devem incorporar os saberes, as soluções e práticas populares, ancestrais e tradicionais, e as especificidades dos territórios.

Sua efetivação visa reduzir os impactos desproporcionais da crise climática e dos eventos climáticos extremos, que afetam principalmente as populações negras, indígenas, quilombolas, tradicionais, periféricas e faveladas, no campo, na cidade, na floresta e nas águas.”

Várias iniciativas, como o Vote pelo Clima, estão em andamento com candidatos que podem nos ajudar a sonhar cidades melhores. Essa plataforma conecta você a candidaturas comprometidas com a construção de políticas para enfrentar a crise climática. Votar em candidatos comprometidos com direitos humanos é nossa saída mais urgente para o que estamos vivendo. 


Mariana Belmont – Jornalista e assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra, faz parte do conselho da Nuestra América Verde e da Rede por Adaptação Antirracista. E organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023).

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