Zona leste tem cinturão de bairros que concentram mortes por Covid-19

FONTEPor Aline Mazzo e Cláudia Collucci, da Folha de S. Paulo
Clientes e comerciantes sem utilizar máscaras de maneira correta em lanchonete na av. Álvaro Ramos, na Água Rasa (Foto: Zanone Fraissat - 08.jan.2021/Folhapress)

O recrudescimento da pandemia de Covid-19 na cidade de São Paulo tem feito mais vítimas na zona leste da capital. Dos dez distritos com mais mortes por 100 mil habitantes nos meses de novembro e dezembro de 2020, seis ficam na região.

A concentração de óbitos está localizada em um cinturão formado por Água Rasa, Vila Prudente e São Lucas —colados em Sapopemba, região recordista de mortes em números absolutos na cidade, onde o coronavírus já fez 642 vítimas fatais desde março do ano passado.

Entre as áreas mais afetadas, juntam-se ainda os distritos de Aricanduva, Vila Matilde e Tatuapé, bairro de alto padrão da zona leste.

Mortes por Covid-19 nos distritos da capital

642 é o número de mortos pelo coronavírus em Sapopemba, região que reúne mais óbitos da doença na cidade.  Fonte: Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade), da Prefeitura de São Paulo

Agentes de saúde, funcionários de UBSs, moradores e comerciantes dessas regiões são unânimes em apontar os motivos da disseminação da doença: a falta do uso de máscaras e de fiscalização de bares e lanchonetes que reúnem pessoas sem distanciamento.

Por serem bairros residenciais, a maioria dos moradores só utiliza máscara para entrar em alguns estabelecimentos, como padarias e supermercados. Na rua, boa parte dos pedestres caminha sem a proteção ou a utiliza de maneira incorreta, sem cobrir o nariz e a boca.

Longe dos grandes centros de comércio popular e de áreas que reúnem bares e restaurantes, esses bairros, segundo os moradores, não possuem fiscalização de estabelecimentos para cumprimento de medidas sanitárias nem de horários de fechamento.

A Folha esteve nos distritos com mais mortes na última semana e flagrou inúmeros pedestres e comércios desobedecendo as medidas sanitárias de combate à Covid-19.

“O pessoal frequenta aqui há mais de 30 anos. É como se fosse a casa deles. Ninguém vai usar máscara mesmo”, disse o dono de um bar nas imediações da avenida Sapopemba, na região da Água Rasa, que pediu para não ter o nome divulgado, pois teme ser autuado.

Segundo ele, o local ficou fechado por um mês, no início da pandemia, mas logo reabriu. “Aqui não é como na Vila Madalena, que fecha a rua com um monte de gente. Só vêm os vizinhos. São sempre os mesmos. Não vejo tanto risco”, diz.

Os bares, dizem os moradores, são frequentados majoritariamente por homens, com 50 anos ou mais —grupo com maior risco de desenvolver a forma grave da doença.

Nas pequenas lanchonetes que servem refeição na avenida Álvaro Ramos, por exemplo, é possível ver mesas e cadeiras muito próximas, além de vários clientes aguardando do lado de fora, sem usar máscara.

O distrito, que fica entre a Mooca e o Tatuapé, registrou a taxa de 46 mortes por 100 mil habitantes entre os dias 5 de novembro e 30 de dezembro, segundo dados do sistema Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade), da Prefeitura de São Paulo. Neste período, a média da capital foi de 20,2 óbitos por 100 mil habitantes.

Nem a proximidade com locais de risco, como o posto de saúde do bairro, faz aumentar a frequência do uso de máscara. Em pouco mais de uma hora em frente à UBS Água Rasa, a reportagem contou 37 pessoas passando pelo local sem o uso da proteção. Algumas colocaram apenas para entrar no posto.

“A gente vê as pessoas sem máscara o dia todo por aqui. O pessoal sai para andar com cachorro ou para ir até a padaria e fica com a máscara na mão. Nosso trabalho é avisar, mas ninguém liga”, conta uma agente de saúde que trabalha na UBS.

Funcionários da unidade relatam que desde meados de novembro os pacientes com suspeita de Covid aumentaram consideravelmente. “Em muitos casos, vemos que são donas de casa e pessoas que não saem do bairro. Percebemos que muita gente que tomava cuidado, agora está cansada e acabou baixando a guarda”, diz uma enfermeira.

Na praça IV Centenário, em frente à UBS Vila Prudente, o cenário é semelhante. Boa parte das pessoas não usa máscara, mesmo estando na frente ao posto. “Está muito calor e eu sentei aqui para respirar um pouco. Ficar com essa máscara no calorão é horrível”, diz a auxiliar administrativa Fernanda Rodrigues, 29.

Segundo atendente da UBS, há dias em que a busca por atendimento lembra o pico da pandemia. “Aqui dentro cheio de gente doente e quando você sai, o povo todo sem máscara. Dá vontade de chorar, diz.”

A região é a segunda que concentrou mais mortes por 100 mil habitantes em novembro e dezembro, com 45,8. “Em dezembro, chegou a faltar prednisona e azitromicina em alguns postos, tamanha foi a demanda de medicamentos para pacientes com Covid”, diz funcionária da UBS Vila Alpina.

Mulher sem máscara na praça IV Centenário, na Vila Prudente, em frente ao posto de saúde do bairro (Foto: Zanone Fraissat – 08.jan.2021/Folhapress)

Morador do bairro desde que nasceu, Cláudio Sorcinelli, 71, dono de um restaurante, teme por um novo fechamento de comércios em razão da alta de casos. “Tenho tomado todos os cuidados, mas as pessoas insistem em não usar máscaras e ficar aglomeradas. E se as coisas piorarem, e parece que vão piorar, são comerciantes como eu que vão pagar o pato por ter que fechar as portas mais uma vez.”

No vizinho São Lucas, as cenas se repetem. Nos postos de saúde do bairro, a procura de atendimento por pacientes com Covid só cresce, dizem funcionários. Na última quinta-feira (7), o gráfico Isaías Cecílio, 57, aguardava resultado do exame de Covid que havia feito três dias antes. “Estou sentindo dor no corpo, cansaço e perdi o paladar e o olfato. Acho que acabei pegando esse negócio porque me descuidei”, lamenta.

Com cerca de 143 mil habitantes, a região chama atenção por ter registrado, em números absolutos, 61 mortes entre novembro e dezembro. Com o dobro de população, Sapopemba —distrito que fica ao lado e é recordista de mortes por Covid-19 na cidade—, teve 63 óbitos no mesmo período.

Francisca Ivaneide Carvalho, 61, coordenadora na região da ONG Brigada pela Vida, que tem trabalhado na conscientização da importância das medidas de proteção para evitar o contágio pelo coronavírus, afirma que dois fatores podem ter agravado o número de óbitos nessas localidades.

“As pessoas estão saindo de casa para trabalhar. Quem estava em home office, agora tem que ir um ou dois dias para a empresa. E quem é trabalhador informal, com o fim do auxílio emergencial, também teve de voltar à ativa. Essas pessoas podem estar transportando o vírus para esses bairros. Juntando isso ao fato de esses lugares terem muitos idosos, a explosão de casos e mortes já deveria ser esperada.”

Para o infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas, a concentração de mortes nesses bairros é explicada por uma “equação muito simples”. “Quando relaxamos as medidas de segurança, aumenta a contaminação e, consequentemente, o número de mortes em diversas faixas etárias.”

Segundo ele, nessas regiões boa parte da população precisa se deslocar para o trabalho utilizando transporte coletivo e, uma vez contaminados, esses trabalhadores podem infectar os moradores dos bairros que não estão se protegendo adequadamente.

“Sei que todos estão cansados, pois o confinamento sob estresse é ainda mais terrível, mas precisamos manter o uso de máscara e o distanciamento social. Chega a ser repetitivo, mas sem remédio que cure a doença e a vacinação de uma parcela considerável da população, não há outra alternativa.”

SUBPREFEITURAS AFIRMAM FAZER FISCALIZAÇÃO

A Secretaria Municipal das Subprefeituras informou que fiscaliza estabelecimentos que excedem o horário permitido pela legislação vigente, além de verificar se estão disponibilizando mesas nas calçadas, com apoio da GCM.

Desde o início da quarentena, 1.321 estabelecimentos foram interditados por descumprirem as regras, segundo a pasta. Destes, 898 são bares, restaurantes, lanchonetes e cafeterias. O valor da multa é de R$ 9.231,65, aplicada a cada 250m².

A subprefeitura da Mooca informou que os locais citados pela reportagem seriam vistoriados entre os dias 8 e 10 deste mês. Já a Subprefeitura de Vila Prudente afirmou que as regiões estão incluídas nas fiscalizações periódicas realizadas desde o início da pandemia.

A Secretaria Municipal da Saúde destacou que já está com o Plano Municipal de Imunização estruturado e seguirá a programação do plano estadual, com previsão de aplicação de cerca de 600 mil doses ao dia, para início no próximo dia 25.

Para isso, estão previstos 3.000 pontos de vacinação, entre unidades de saúde e postos satélite, que ficarão em “praças, shoppings, estações de metrô, terminais de ônibus, comércios, ou seja, lugares com grande movimentação de pessoas”, diz trecho da nota.

A secretaria também informou que já possui, até o momento, 15 milhões de seringas, 15 milhões de agulhas, entre outros insumos necessários para aplicação das doses.

Aglomerações podem piorar dados

O efeito das aglomerações de fim de ano já começa a se refletir no aumento de internações em UTI e de mortes na cidade de São Paulo.

Na comparação da média móvel das últimas duas semanas (entre 24 e 30 de dezembro e entre 31 dezembro e 6 de janeiro), o número de óbitos passou de 217 para 392, uma alta de 80,6%.

Em 13 distritos da capital paulista houve aumento de internações em UTIs, segundo análise do projeto Info Tracker, da Unesp e da USP. Na Vila Prudente, por exemplo, de 6 para 10 (66%); em Pirituba, de 35 para 47 (34%). Em Sapopemba, de 14 para 17 (21%).

Ainda que possa ter havido represamento de dados nesse período do fim de ano, os pesquisadores dizem que o cenário representa o começo de uma nova fase crítica da pandemia, em que o sistema de saúde será mais uma vez testado na sua capacidade de atendimento.

“É uma bomba que a gente estava esperando porque a taxa de transmissão estava muito elevada em dezembro. Ainda vamos ver aumentar bastante nos próximos dias”, prevê Wallace Casaca, professor da Unesp e coordenador do Info Tracker, que monita a pandemia no estado.

Em dezembro, no dia 14, a taxa chegou a 1,63. No início do ano, caiu para 0,78 e agora começa a subir. A projeção é que ultrapasse 1 novamente no início da semana.

Dois hospitais municipais de São Paulo, Santa Casa de Santo Amaro e o Hospital Municipal Vila Santa Catarina, ambos na zona sul, estão com 100% de ocupação nas UTIs. O hospital da Brasilândia, na zona norte, chegou a 70%.

Algumas regiões mais centrais, no entanto, apresentaram queda de hospitalizações na UTI: na Consolação, de 118 para 115 (-2,5%), na Bela Vista, de 11 para 8 (-2,5%) e Jardim Paulista de 101 para 99 (-2%).

“Provavelmente, de novo, as pessoas das regiões periféricas ficaram mais expostas. Seja pelas condições de moradias, pessoas que vivem em comunidades, de transporte pública e pelas aglomerações em festas”, afirma Casaca.

A Secretaria da Saúde de São Paulo diz que haverá aumento da oferta de vagas para a Covid-19 em São Paulo. Além dos 106 leitos previstos no Hospital Brigadeiro, a pasta estuda a contratação de mais leitos na rede privada. O governo do estado também informou que, se necessário, ativará novos leitos.

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