A defesa da Polícia Militar como retrato de uma sociedade doente

 

José Rogério Beier,

Hoje estive discutindo com um colega sobre a violência da Polícia Militar de São Paulo e o impressionante número de mortos deixados por essa instituição, segundo os números oficiais da Ouvidoria da Polícia de São Paulo (isto é, o número deve ser maior).
 
Segundo notícia divulgada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em apenas cinco anos (2005-2009) a Polícia Militar de São Paulo matou 2045 pessoas no Estado em casos que foram registrados como resistência seguida de morte. (Veja também notícia divulgada pelo site Coletivo Cultura Verde).
 
Após circular esta informação em meu perfil nas redes sociais, o colega ao qual me referi fez o seguinte comentário: “pessoas ou bandidos?”. Prontamente respondi-lhe a provocação com outra pergunta: “e bandidos não são pessoas?”, ao que o referido colega respondeu: “não!” e ainda perguntou-me se eu era contrário ao policial que deu dois tiros no rapaz que tentou roubar uma moto “hornet”, em caso celebrizado pelo YouTube e pelas redes sociais. “Claro que sou contra!”, respondi-lhe. Aliás, seria estranho se eu, como educador, acreditasse mais na polícia armada do que na educação como meio de acabar com a violência. Após essa resposta, o colega disse-me que era melhor parar a discussão por ali, pois não iria evoluir diante de nossas posições tão divergentes.
 
Nesse curto diálogo, entendi como muito preocupante a disseminação de algumas ideias bastante equivocadas por trás de um discurso extremamente superficial:
 
A consideração de que todas as vítimas da Polícia Militar são bandidos;
 
A desumanização de pessoas que cometem crimes ou atos de violência como tentativa de justificar o extermínio das mesmas, no melhor estilo malufista: “bandido bom é bandido morto!”
 
O precedente para que se justifiquem assassinatos cometidos pela Polícia Militar sob a justificativa de que se estão eliminando bandidos.
 
Foi hedionda a pergunta do colega quando referiu-se às vítimas da PM não como pessoas, mas como bandidos. Primeiro porque há vítimas da Polícia Militar que sequer tinham qualquer culpa ao serem mortos. Está aí o recente caso do ajudante de pedreiro Amarildo e do menino morto na Vila Medeiros como exemplos macabros. Mesmo no caso das vítimas dos policiais serem criminosos, o colega trata-os como se estes não merecessem a condição de seres humanos. Como se os bandidos não merecessem, no mínimo, a prisão e um julgamento justo, com amplo direito à defesa, conforme prescrito em nossas leis.
 
Ao invés de celebrar o assassinato de “bandidos” ou a superlotação das prisões, costumo pensar que cada indivíduo preso representa mais um fracasso nosso enquanto sociedade. Quando alguém comete um ato de violência contra outra pessoa, não é apenas ele quem está cometendo o crime, mas sim todos nós. É o reflexo de uma sociedade doente e falida. Retrato de uma sociedade individualista, baseada no consumo, na exploração do homem pelo homem e, assim sendo, baseada na miséria humana.
 
Se acreditamos que violência e propensão a crimes não são características genéticas de nossa espécie, então, quando um ato de violência é cometido, família e sociedade falharam ao educar o infrator. A melhor maneira de diminuir a violência não é através da polícia, construção de presídios e compra de armas e munições, mas sim investindo maciçamente em educação, na erradicação da miséria, na garantia de moradia e na distribuição de renda. Impossível acabar com a violência, quando há pessoas morrendo de fome, sede e doenças tratáveis. Pessoas vivendo ao relento ou em locais sem a menor condição higiênica para abrigar seres humanos.
 
Como é de conhecimento geral, a violência está diretamente relacionada à miséria. Portanto, o combate à violência em nossa sociedade deve se dar através do combate à miséria e à má educação. A Polícia Militar não é alternativa de solução viável, mas sim, fruto de uma sociedade que precisa garantir a segurança de quem explora a miséria alheia com homens armados e bem treinados. Afinal de contas, a quem serve a Polícia Militar? A todos os cidadãos? Certamente não serve nem aos 2045 que foram assassinados, nem a seus familiares.
 
Não há prova maior de que essa sociedade é realmente doente quando nos deparamos com pessoas acreditando e defendendo a necessidade de policiais armados para garantirem que seres humanos possam se relacionar sem medo de serem assaltados ou assassinados. Triste retrato dos tempos em que vivemos.
 
 
Fonte: Jornal GGN
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