“A doença masculina”

Não me lembro como cheguei a este áudio/vídeo do George Carlin, mas assim que o vi, pedi para uma leitora traduzi-lo. Ela topou, mas preferiu manter-se anônima, temendo as represálias profissionais (pra vocês perceberem que o que Carlin diz é polêmico).

por LOLA ARONOVICH

Eu gosto do discurso (embora não concorde com tudo) porque é um homem puxando a orelha de outros homens. E nem é um homem qualquer, é o George Carlin, um dos maiores comediantes de stand-up que os americanos já produziram.

 

Carlin, que morreu em 2008, aos 71 anos, é reconhecido como um grande (e ácido) comediante. Ele fazia humor crítico que vai contra o status quo. Ou seja, é ooposto de Gentili e cia. Porque pra fazer piadinha em cima de mulheres, gays, negros, trans, gordos etc, nem é preciso ser humorista. Seu tio já faz isso (e ele se considera super engraçado, original e transgressor).

 

Quem tiver alguma dúvida sobre como o humor pode subverter a ordem (em vez de perpetuá-la), assista ao ótimo documentário O Riso dos Outros (eu até dou o ar da minha graça nuns momentos). Vale muito a pena.

 

 

E fique com o monólogo do Carlin, “A doença masculina”.

 

musculo

Essa é a doença dos homens. Ela se chama estar totalmente equivocado. A doença dos homens inclui a necessidade de estar no comando o tempo todo. No comando, no controle. Um homem verdadeiro se vê como o rei da cocada, o líder do bando, o capitão do navio. O tempo todo, para que se encaixe e pertença ao grupo, ele tem que agir como todos os outros homens, e fazer o que eles fazem, para que seja aceito e consiga um bom emprego, uma promoção, um aumento, um Porsche, uma esposa. Uma esposa que vai imediatamente trocar o Porsche por uma van Dodge boa e sensata, com bancos dobráveis, para que eles possam ser como todas as outras famílias entediantes.

O pobre coitado. O pobre coitado estúpido. Sua masculinidade também requer que ele se recuse a ir ao médico ou a um hospital, a menos que seja demonstrado a ele que, na verdade, está clinicamente morto há seis meses. “É bobagem ir ao hospital, amor. Eu não estou em coma.” Dessa forma, ele precisa aprender a ignorar a dor. “Na verdade, não dói. Sangrar pelos seis orifícios da cabeça na verdade não dói. Só me passe o controle remoto e uma cerveja e dê o fora”.

A maior parte dos homens aprende essa merda idiota com os seus pais. Os pais ensinam os filhos a não chorar. “Não quero te ouvir chorar, ou eu vou até aí te dar um motivo pra chorar.” Que beleza, não? Todos os problemas do mundo -– eu repito -– todos os problemas do mundo têm sua origem nas atitudes dos pais para com os filhos. Então, meninos aprendem a esconder seus sentimentos e a sociedade gosta disso, pois dessa forma, quando eles chegarem aos 18 anos, eles vão poder ir para outros países e matar desconhecidos sem sentir nada.

E, é claro, esse trato inclui uma certa vontade relutante de ter seu saco arrancado. “Amor, eu vou ter que ir para outro país e ter meu saco arrancado. Senão, os outros caras vão achar que eu tenho medo de ir para outro país e ter meu saco arrancado.” Os pobres coitados. Os pobres coitados estúpidos.

Então, como resultado de toda essa repressão dos sentimentos, o mais longe que um homem comum pode chegar para exprimir suas é emoções é dar um high five;Ou, algumas vezes, quando sentimentos realmente profundos emergem, usar as duas mãos, um high ten. Isso é emoção pura. E isso é tudo de que eles são capazes.

Eles têm que agradecer aos seus pais. “Obrigado, pai”. Mas, espere, não ache que pais não podem ser legais às vezes. Afinal, os pais introduziram seus filhos ao maravilhoso mundo dos homens. São os treinadores dos homens. Para toda aquela coisa masculina de machões e He-man. Nada de covardes, cagões, ou bundas-moles.

Existem cinco subculturas masculinas capitais. E todas eles possuem intersecções. A cultura dos carros e máquinas. A cultura militar e da polícia. A cultura das armas e do ar livre. A cultura dos esportes e competições. E a cultura das drogas e álcool. De bônus, vou falar mais uma: a cultura do vamos pegar umas vadias e bater nuns viados. Como eu disse, todas elas têm intersecções. Muitos homens pertencem a todas as seis.

Esse universo masculino, obviamente, é detectável ao analisarmos a sua fórmula química combustível: gasolina, pólvora, álcool e adrenalina. Uma química tornada ainda mais letal pelo seu catalisador sempre presente: testosterona. Vamos falar sobre abuso de substâncias químicas? Se você está interessado em dependência química, você pode querer se informar sobre a testosterona. Testosterona –- a substância mais letal da Terra. E ela não vem de um laboratório, vem do escroto.

E o escroto, interessantemente, está localizado não muito longe do c*. Que apropriado! Acontece que todas essas subculturas masculinas compartilham um aspecto: homofobia, combinada com uma estranhamente irônica e completamente infantil confiança na autoridade masculina. Homens se sentem atraídos por homens poderosos. Eles também compartilham um forte medo e aversão a mulheres. Isso apesar de uma obsessão patológica por b*cetas… Testosterona!

 

 

Então, por que os homens são assim? Eu acho que o problema central para os homens é que no principal evento da vida, a reprodução, eles são deixados de fora. As mulheres têm todo o trabalho. Com o que os homens contribuem? Em geral, eles estão só procurando um lugar para estacionar um pouco de esperma. Algumas metidas, uma gozada quente. e o volume da TV é aumentado de novo. Eu acredito que não deveria ser permitido que a maioria desses cromossomos masculinos defeituosos fossem passados adiante a mais uma geração azarada. Mas, assim é a biologia.

Dessa forma, excluídos da reprodução, os homens precisam encontrar outros meios de se sentirem úteis e valiosos. Como resultado, eles se medem pelo tamanho de suas armas, o tamanho de seus carros, o tamanho de seus pintos e o tamanho de suas carteiras. Todas são competições que nenhum homem pode vencer continuamente.

E deixe-me falar porque tudo isso acontece. Porque mulheres são a origem de toda a vida humana. O primeiro ser humano veio da barriga de uma fêmea. E todos os fetos humanos começam como fêmeas. O próprio cérebro é basicamente feminino até que os hormônios atuam e o tornam estruturalmente masculino. Então, na realidade, todos os homens são fêmeas modificadas. De onde você acha que vieram esses mamilos, meu caro?

Você é um acréscimo. Talvez seja isso que esteja te incomodando. É nisso que você está pensando? Isso explicaria a hostilidade. As mulheres ficaram com o trabalho bom e os homens com o trabalho de merda. Fêmeas criam a vida, machos acabam com ela. Guerras, crimes, violência, são essencialmente franquias masculinas. Os homens cagam. É a piada suprema da natureza. Dentro do útero, os homens começam como uma coisa boa e terminam como uma porcaria. Nem todos os homens. Apenas o suficiente. Apenas o suficiente para f*der com tudo.

 

E a parte mais idiota disso tudo é que não apenas os homens aceitam toda essa merda, como também boa parte disso eles fazem consigo mesmos. Aliás, eu não estou livrando a cara das mulheres. Afinal, a única parte da anatomia genital que é a mesma em ambos os sexos é o c*. Mas mulheres que são cuzonas não são chamadas assim.

O nome pelo qual são chamadas vem de uma parte diferente de sua anatomia. Elas são chamadas decunts [b*ceta, em inglês, mas cunt também é um insulto que significa idiota, p*ta]. Não é legal que cuzões e idiotas [c*s e b*cetas] sejam vizinhos de porta?

Pra terminar, uma ótima fala de Carlin, sem relação com a masculinidade: “Diga às pessoas que há um homem invisível no céu que criou o universo, e a vasta maioria acreditará em você. Diga a elas que a tinta está fresca, e elas terão que tocá-la pra ter certeza”.

 

 

 

 

Fonte: Escreva Lola Escreva

 

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