Adaptação às mudanças climáticas para população negra 

FONTEPor Mariana Belmont
FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS - 15.JAN.2024

A agenda de adaptação às mudanças climáticas ficou em segundo plano nas negociações e agendas nacionais. Mas o ano de 2023 ativou um gatilho da urgência em que estamos vivendo. Há décadas, a ciência alerta sobre a gravidade e a urgência de medidas para evitar cenários graves e ainda mais mortes por conta dos eventos climáticos extremos. Mas as medidas não estão sendo tomadas com a velocidade e na escala que deveria acontecer. Agora, estamos lidando com essas consequências.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou que 2023 é o ano mais quente já registrado. Seis conjuntos de dados internacionais confirmaram que a média global anual foi 1,45°C acima dos níveis pré-industriais, com margem de erro de mais ou menos 0,12°C. O valor se aproxima cada vez mais de 1,5°C, o marco limite do Acordo de Paris. Segundo a OMM, o ano de 2024 pode ser ainda mais quente, acompanhado por enormes impactos socioeconômicos.

O mundo já registra alterações na temperatura média, mudanças nas estações e uma frequência crescente de fenômenos meteorológicos extremos e outros efeitos das alterações climáticas. Quanto mais rápidas forem as alterações climáticas e quanto mais tempo forem adiados os esforços de adaptação, será mais difícil, mais perdas humanas e de biodiversidade teremos. Se os países não conseguem, em escala global, cumprir as metas de mitigação e redução de emissões de gases de efeito estufa, torna-se urgente que as políticas de adaptação à emergência climática sejam concretizadas. 

A adaptação refere-se a ajustamentos nos sistemas ecológicos, sociais ou econômicos em resposta a eventos climáticos reais ou previstos e aos seus efeitos ou impactos. São as mudanças em processos, práticas e estruturas para moderar danos potenciais ou para beneficiar de oportunidades associadas às alterações climáticas. Os países e as comunidades precisam desenvolver soluções de adaptação e implementar ações para responder aos impactos das alterações climáticas que já estão ocorrendo, e se preparar para impactos futuros. Com políticas públicas que apresentem qualidade de vida para as pessoas. 

Não existe uma solução única que possa defender territórios contra enchentes, o estabelecimento de sistemas de alerta precoce para ciclones e a mudança para culturas resistentes à seca, até à reformulação dos sistemas de comunicação, das operações comerciais e das políticas governamentais. O avanço em adaptação depende não apenas dos governos, mas também da participação de diversas partes interessadas, incluindo organizações nacionais, regionais, multilaterais e internacionais, dos setores público e privado, universidades, da sociedade civil e de outras partes interessadas relevantes. 

Nos últimos dez anos, 93% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum tipo de desastre natural entre 2013 e 2022. É o que mostrou o levantamento divulgado pela Confederação Nacional de Municípios. Nesse período, mais de 2,2 milhões de moradias foram danificadas em todo o país, deixando desabrigados mais de 4,2 milhões de pessoas. Essa realidade é agravada pela baixa capacidade adaptativa aos efeitos climáticos da maioria dos municípios brasileiros. 

Estamos vivendo no Brasil desigualdades sociais e territoriais decorrentes dos impactos e efeitos do aquecimento do planeta em 1,1 ºC. Precisamos urgentemente, portanto, de políticas públicas que contenham medidas efetivas de adaptação para responder aos efeitos dos eventos climáticos extremos sobre a vida das populações das cidades, da floresta e do campo. Os desastres ocorridos nos últimos três anos, com enchentes e deslizamentos, contudo, revelam que nem o poder público, nem as instituições privadas estão atuando na gestão das mudanças climáticas. 

A emergência climática é global, todos vão sentir os impactos, mas eles serão sentidos com mais intensidade nos territórios, dentro de estruturas desiguais: raciais, de gênero, geracionais e sociais. Populações negras que vivem nas áreas periféricas, suburbanas, territórios tradicionais, baixadas, ressacas e favelas do país estão vivendo tragédias preveníveis e evitáveis por conta dos impactos dos grandes volumes de chuvas em pouco espaço e tempo em todas as regiões do país.

O desenvolvimento de estudos e pesquisas em desigualdades raciais, de gênero, sociais e territoriais, nas áreas das ciências humanas, aplicadas, exatas, biológicas e tecnológicas, como é o trabalho da Associação de Pesquisa Iyaleta são fundamentais e urgentes no Brasil. Revelar o retrato das situações territoriais para criação e aplicação de políticas públicas é necessário, especialmente para denunciar o racismo ambiental negado. 

O governo brasileiro tem trabalhado há mais de um ano na atualização do Plano Nacional de Adaptação, e será composto por 15 planos setoriais que trarão metas, formas de implementação e meios de financiamento necessários. Mas estamos vivendo tempos de muita urgência e precisamos que as políticas por adaptação acompanhem e ajudem a acabar com o número absurdo de mortes que estamos acompanhando nos noticiários. 

Nas negociações internacionais é fundamental que a agenda sobre adaptação seja central, por mais recursos e pressão aos países. Nos próximos meses teremos a Conferência de Bonn, COP29 e uma lista de trabalhos importantes para que a agenda chegue a COP30, no Brasil, como prioridade e liderada com a centralidade da urgência e pautando questões raciais e de gênero. 

Durante a COP 28, Geledés acompanhou presencialmente as salas de negociação onde os principais documentos e posições em que o Estado brasileiro esteve diretamente envolvido para identificar lacunas e criar um texto de recomendações sobre as temáticas que envolvessem os direitos humanos que pudessem  ser incorporadas à agenda global do clima. Foi um trabalho árduo, contínuo, de formiguinha, em que os esforços da organização se concentraram em argumentar a necessidade de haver a inclusão do tópico da população afrodescendente nos documentos para as políticas sustentáveis globais. Nas próximas agendas internacionais sobre mudanças climáticas, Geledés permanecerá atenta nas negociações, especialmente para que aconteçam avanços na agenda de adaptação.

A sociedade civil brasileira vem se empenhando em articulações nacionais sobre adaptação. Cobrando do Governo Federal, Estados e Municípios. Como a Rede Por Adaptação Antirracista, que desde 2023 se organiza com mais de 50 organizações para pressionar e acompanhar o desenvolvimento do Plano Nacional de Adaptação e outras políticas sobre o tema. Reforçando a urgência por prevenção nas cidades. O Observatório do Clima, outra rede de articulação com organizações diversas que vem trabalhando para que a agenda entre na centralidade. A Coalizão Negra Por Direitos outra articulação de organizações negras brasileiras, que esteve em Conferências do Clima e tem pautado adaptação antirracista.  

“Temos a responsabilidade de atualizar e tornar efetivo o Plano Nacional de Adaptação e de eliminar as desigualdades raciais, étnicas, de gênero, geracionais e sociais, assegurando o desenho e implementação de políticas nacionais, com ênfase na gestão ambiental e territorial, e fortalecendo a agricultura familiar e a titulação de terras quilombolas. Além disso, é preciso reforçar a importância da retomada dos mecanismos e espaços de participação, tais como os conselhos, em questões relacionadas ao meio ambiente. É necessário também desenhar e implementar políticas de longo prazo de democratização do acesso à terra, além de políticas habitacionais, de urbanização e de regularização fundiária destinadas à população negra e periférica para que elas possam se adaptar às mudanças do clima. A elaboração e implementação dessas políticas devem se dar a partir de Planos Comunitários de urbanização e regularização fundiária, com foco na gestão das áreas de risco e adaptação às emergências climáticas dos territórios vulneráveis.”, nos lembra o manifesto da Rede Por Adaptação Antirracista. 

Adaptação às mudanças climáticas é uma urgência do agora. Toda semana sabemos de mortes em territórios periféricos com enchentes ou calor extremo. A situação vai piorar, por isso é necessário ações efetivas e urgentes com políticas públicas aplicáveis, que possam prever orçamento para as cidades. 


Mariana Belmont – Assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra, faz parte do conselho da Nuestra América Verde e da Rede Por Adaptação Antirracista – (Foto: Julia Rodrigues/ÉPOCA)

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