Alucinações antropológicas e rituais da mídia

Edson Lopes Cardoso

por: Edson Lopes Cardoso

Segundo Yvonne Maggie, existe racismo no Brasil – mas não somos uma sociedade racista. “Há uma espécie de alucinação coletiva”, conforme ensina a professora da UFRJ, que leva a confundir desigualdade entre ricos e pobres com desigualdades raciais.

 

Como uma alucinação puxa outra, ainda segundo Maggie, as pessoas interessadas em destruir a paz e a ordem, a serviço de países imperialistas, acabam defendendo a criação de leis raciais para combater a desigualdade.

Felizmente, no país que bebe cerveja junto, que joga futebol junto e casa entre si, conforme as palavras da ilustre antropóloga, há um Congresso que tem “mais juízo” e “as leis raciais não vingarão” (ver entrevista de Maggie em O Globo, edição de 31 de maio de 2009, p.10).

O leitor tem o direito de pensar que está diante de uma nova versão de “O Alienista”, conto de Machado de Assis. Talvez. O que não sabemos é se Maggie irá seguir os passos do ilustre sábio de Itaguaí e recolher-se definitivamente à Casa Verde, para entregar-se “ao estudo e à cura de si mesma”.

Enquanto aguardamos o desfecho das peripécias da ilustre professora que, como Dr. Simão Bacamarte, “tem os olhos acesos da convicção científica”, vale a pena assistir ao que os editores consideram “uma pérola em homenagem a Michael Jackson”. Dita “homenagem” feita pelo programa “Vídeo Show”, da Rede Globo, no dia seguinte à morte do artista, recuperava cena veiculada no antigo TV Pirata.

Parece tratar-se de inequívoca demonstração das relações cordiais vigentes entre os brasileiros, segundo a doutrina Maggie. Um homem negro, Edmilson dos Santos (Guilherme Karan pintado de preto, tipo “Nega maluca”), apresentado como sociólogo e guardador de carros (contraste entre formação e ocupação real permite várias leituras, inclusive a da existência de barreiras de cor) é abordado em um supermercado por propagandista (Diego Vilela) de sabão em pó. O nome do sabão é Omolu.

Há um sabão em pó “Omo”, que lava mais branco, e há esta paródia com o nome do Orixá, que realiza os desejos de embranquecimento de guardadores de carros formados em sociologia (“fez milagre em Edmilson dos Santos”) e ridiculariza a ancestralidade afro-brasileira. Um mês após a “experiência”, Edmilson transformou sua aparência, sugerindo ser agora Michael Jackson. Está feliz, “branquinho, branquinho”, e dança imitando gestos de Jackson, com música ao fundo.

No final da exibição da seqüência do TV Pirata, os apresentadores do Vídeo Show riem divertidos. “Vale a pena rir de novo” é o nome do quadro que no dia 26 de junho fez esta “homenagem” a Michael Jackson.

Na construção do esquete, valores religiosos de herança africana socorrem um homem negro em dificuldades com sua própria cor, presume-se. A superação de suas limitações, digamos assim. Ao final, ficou branquinho e feliz, usando “o sabão em pó das estrelas”. Não é mesmo divertido isso? A herança cultural e religiosa africana acionada para servir ao embranquecimento e à felicidade de Edmilson e de todos? Divirtam-se. Creio mesmo que essa sincera e cordial “homenagem” seja de grande utilidade para que possamos avançar no conhecimento e domínio das alucinações coletivas e do conteúdo mágico dos rituais midiáticos, ontem e sempre.

Materia original: Írohín Jornal Online – OPINIÃO

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