Amor afrocentrado é, além de cuidado, desintoxicação

FONTEpor Mauro Anderson Baracho, Enviado para o Portal Geledés
(Foto: by Jamine Wallace / Nappy)

Já faz algum tempo que eu queria falar sobre como é se relacionar com uma mulher negra e tentar entender o porquê do preterimento, das mesmas, por muitos de nós homens negros.

Não sei se consigo falar tão bem quanto elas, sobre esse assunto, mas quero trazer a visão de um homem negro, já que a maioria dos textos sobre esse tema é escrito por mulheres negras.

Devido algumas postagens e algumas coisas que escrevo, alguns homens negros me procuram dizendo: “Cara, vi o que você postou e você tem razão. Quero me relacionar agora só com mulheres negras.” Eu tento explicar que não é bem assim, e vou dizer o motivo: dias atrás eu postei uma matéria com título “Casamento entre negros é um ato político” e quando eu li essa entrevista, uns meses atrás, a fala da atriz Kenia Maria me chamou muita atenção.

O trecho em questão é o que ela diz que se relacionar com um homem negro consciente é diferente. Segundo ela é diferente se relacionar com um homem negro que entende o corpo dessa mulher negra e a textura do seu cabelo e não tem medo de colocar a mão nesse cabelo.

Aquilo fez tanto sentido pra mim que me peguei pensando sobre as várias vezes em que não entender isso me levou a não me relacionar com uma mulher negra.

A questão do cabelo é um ponto chave. Muitos homens não fazem a menor ideia do que essas mulheres passaram ao alisar seus cabelos para se encaixar em um padrão e do que muitas passam em uma transição. Já ouvi relatos de meninas que ficaram dias sem sair de casa depois de iniciarem a transição.

É inaceitável para muitos homens, que desconsideram todo esse processo, que mulheres negras usem apliques ou laces. Exemplos de homens externando isso não nos faltam. Na música “Diamante da Lama” do Nego do Borel.

O mesmo cita, orgulhoso, que as mulheres que ele “pega” agora só tem cabelo que voa. O que falar do Chris Brown? Na música “Ayo” canta um refrão que diz: “Todas as minhas vadias têm cabelo de verdade” como se eles não fossem pessoas negras, não tivessem o cabelo crespo, como se suas irmãs e mães não tivessem passado por todo esse processo.

Uma cena interessante da série “Dear White people” é a cena em que um casal (não me lembro agora o nome dos personagens) está transando e o cara ao puxar o cabelo da menina e arranca o lace dela e ela, por sua vez, fica totalmente sem graça. Vocês já pensaram que muitas mulheres não contam isso aos parceiros por vergonha?

O ponto ao qual quero chegar é que muitos homens negros não estão prontos para se relacionar com mulheres negras, mesmo os que querem. A explicação é simples: boa parte dos homens negros, socializados para perseguir estes padrões, querem acordar ao lado de uma Barbie linda e loira com um cabelo capaz de se arrumar com uma batida de cabeça.

Uma vez na faculdade uma colega negra que agora usa o cabelo natural, contou-me que seu ex-namorado, também negro, insistia para que ela sempre usasse o cabelo liso e por esse motivo só agora ela teria tomado coragem de usá-lo natural. Não existe uma chave em que ativada passasse a gostar e amar tudo em uma pessoa negra, isso é um processo de desintoxicação de todo esse padrão eurocêntrico que muitos de nós passamos a amar nas mulheres.

Eu passei, e ainda passo, por esse processo. Embora nunca tenha sido alguém que só se relacionou com brancas, precisei repensar muita coisa para não magoar a mulher negra que viria a estar do meu lado. Aconselho aos homens negros que se sentem assim, a não ter vergonha e nem medo de assumir isso e que tenham coragem para repensar, para que no futuro sejam homens melhores para suas pretas.

E aos que não conseguem abrir mão desse pensamento, que siga perseguindo os padrões, afinal, como diria minha sabia mãe: “Muito ajuda quem não atrapalha”.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

-+=
Sair da versão mobile