Ana Flávia Cavalcanti diz que representatividade vai além do negro na tela

'Ainda somos escalados para viver pessoas muito desfavoráveis', afirma

FONTEPor Fernanda Pereira Neves, da Folha de S.Paulo
Ana Flávia Cavalcanti /Jorge Bispo

Ana Flávia Cavalcanti, 39, está de volta a “Sob Pressão” (Globo), e após seu primeiro episódio dessa quarta temporada, ela fez questão de recorrer às redes sociais para ver a repercussão de sua personagem. Mas não encontrou elogios e entusiasmo. Ela conta que viu até desejos de morte a Diana.

A atriz não parece ter ficado chateada, diz que entende essa paixão do público, já que sua chegada vai estremecer o casal protagonista, formado por Evandro (Julio Andrade) e Carolina (Marjorie Estiano). Isso porque Diana não voltou sozinha, mas com o pequeno Francisco, filho que Evandro não sabia que tinha.

Cavalcanti evita spoiler, mas não nega que o drama vai se instaurar nessa nova família, que nada tem de triângulo amoroso, afirma. “Muito disso já estava no texto do [roteirista] Lucas Paraizo, e eu e Marjorie combinamos de tentar tirar todo tipo de disputa feminina, de mulheres por um homem da história”, conta.

“A gente fez muito consciente. Nossos atravessamentos, nossas preocupações, idas e vindas que esses dois vão viver têm a ver com os seres humanos que eles são no mundo e seus contextos na vida, não tem a ver com uma disputa pelo Evandro, esse homem que domina nossa vida. A gente fugiu disso e muito.”

A atriz chegou à história na terceira temporada, como uma dependente química que se envolve com Evandro durante uma crise no casamento dele. Segundo ela, na época, não havia nenhuma perspectiva de retorno de Diana, que agora retornou do interior para o Rio em busca de tratamento médico para Francisco.

“Acho que essa volta é fundamental para a estrutura do casal protagonista, foi uma maneira de dar continuidade para essa narrativa. Evandro e Carolina são perfeitos e imperfeitos, cheios de camadas. E Diana vem com o que falta para eles: um filho. O filho significa continuidade, mas veio de outra mulher, que ele não ama.”

Nesse contexto, Cavalcanti afirma que o público pode esperar a discussão de assuntos profundos e delicados que envolvem temas como depressão pós-parto, alienação parental e disputa de guarda. “O buraco é muito mais profundo e vai ter hora em que as pessoas não vão saber nem para quem torcer”, afirma.

Violência, fome e HIV na terceira idade são alguns assuntos que também devem ser abordados em outros núcleos, além da Covid-19, que está de volta após o especial do ano passado, agora como coadjuvante. Para a equipe, no entanto, a pandemia era muito presente, já que as gravações aconteceram nesse período.

Cavalcanti, no entanto, garante que se sentiu segura o tempo todo, devido aos protocolos da emissora. “Mas isso é totalmente pessoal”, afirma. “Tenho amigos com as mesmas condições de trabalho que ficaram muito assustados e a gente tem que respeitar, mas eu vi ali um contexto de muitos testes, equipe mascarada”.

Ana Flávia Cavalcanti (Foto: Divulgação/ Carlo Locatelli)

Vacinada com a primeira dose, ela celebra a aproximação da segunda, mas destaca que teve oportunidades que a maior parte da população não teve. “Pude ficar na minha casa, fazer compra online e não ando de transporte público desde antes da pandemia. Fiquei tranquila, mas porque estava nesse lugar de privilégio.”​

O NEGRO NA TELA

Bastante elogiada desde sua estreia, “Sob Pressão” não conseguiu evitar críticas em seu início pela pouca representatividade negra que trazia. Hoje, não apenas tem mais negros, como também no primeiro escalão do hospital em que se passa a história, com Mauro (David Jr.), neurocirurgião e chefe da emergência.

Ana Flávia Cavalcanti destaca o personagem como um exemplo e diz que apesar de estarem na tela, geralmente atores negros são “escalados para viver pessoas em situações muito desfavoráveis na sociedade”. “E isso não bate com a realidade. Algumas pessoas estão nessas condições, mas outros não. E eu sinto falta disso”, diz.

“Já tem atores negros em ‘Sob Pressão’, mas o que eles estão fazendo, qual a vida deles, qual o cotidiano deles, qual o enquadramento, estão em close, em um plano aberto, quando falam estão sendo filmados ou só tem o off?”, questiona. “É mais do que importante. Para ser interessante tem que ter gente preta, senão não é Brasil.”

A atriz continua e afirma que a questão da representatividade está ultrapassada e tem que ir além do rosto que aparece na tela, e propõe inclusive discussões sobre poder autoral: “Quem está fazendo isso? A gente ainda não entrou nessa questão, mas quem sabe a gente não começa agora nessa entrevista”, desafia a atriz.

ESCREVENDO HISTÓRIAS

A própria atriz está iniciando uma nova fase em sua carreira, que vai além de atuar. Ela vai começar na próxima semana a série “O Santo”, da Fox e que terá como diretora Katia Lund. Nesse projeto, a atriz, além de atuar, vai fazer consultoria de roteiro para a própria personagem.

“Primeira vez que vou viver isso fora do ‘Rã’, meu curta-metragem, que eu escrevi e também atuei. Agora eu vou poder fazer em um produto de streaming, uma série grande, poder escreve para representar, então estou muito feliz, animada, porque, se não for a gente, quem vai ser?”, indaga ela, que fala em fazer história que têm a ver “com as mulheres que eu represento, com todo respeito e orgulho, que são as mulheres negras e pardas brasileiras”.

A atriz lança ainda nos próximos meses os filmes “Duas Irmãs”, rodado na pandemia com Fellipe Barbosa e Malu Galli, e “Fim de Semana no Paraíso Selvagem”, de Pedro Severien, em que ela faz sua primeira protagonista em um longa. Mesmo com esses projetos, ela não descarta focar sua carreira na direção e roteiro para fazer mais personagens com a sua cara.

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