As Olimpíadas mais femininas da história

O sexo feminino não disputou competição na primeira Olimpíada da era moderna, que aconteceu em Atenas, em 1896. O Barão Pierre de Coubertein, fundador do Comitê Olímpico Internacional, disse que as mulheres tinham apenas um papel: “coroar os homens vencedores”.

Por José Eustáquio Diniz Alves

Mas o tempo não pára e a realidade foi mudando nos jogos seguintes, na medida em que cresciam as delegações mistas. O percentual de países que enviaram atletas do sexo feminino passou para 2% em Paris (1900), chegou a 9% nas Olimpíadas de Londres (1908), a 45% nas Olimpíadas de Antuerpia (1920), a 54% em Amsterdã (1928), a 70% em Montreal (1976), a 85% em Atlanta (1996), a 96% em Pequim (2008) e finalmente chegou a 100% em Londres (2012).

Mas não foi fácil convencer todos os países a enviarem mulheres nas delegações. Foi sob pressão recente do governo inglês e do Comitê Olímpico Internacional que três países muçulmanos que resistiram à inclusão feminina cederam e enviaram mulheres aos jogos de 2012. Foi o resultado de um esforço de um século para reduzir o hiato de gênero, que esteve presente desde o início do movimento olímpico moderno, ainda no século XIX. Portanto, foi uma vitória da persistência e da luta pela equidade de gênero o fato de todos os países mandaram mulheres em suas delegações olímpicas, pela primeira vez na história.

Mas o percentual de mulheres ainda não atingiu a paridade, embora falte pouco. Entre 1900 e 1920 o percentual de atletas do sexo feminino no total de atletas dos jogos ficou entre 1% e 2%. Atingiu o percentual de 10% em 1920, atingiu 21% em 1976, 34% em 1996, chegou a 42% em Pequim (2008) e alcançou 44% em em 2012. Dos cerca de 11 mil atletas participantes dos jogos Olímpicos de Londres, o sexo feminino atingiu um montante de cerca de 5 mil atletas. A judoca Wojdan Shaherkani, por exemplo, se tornou a primeira mulher a representar a Arábia Saudita em uma Olimpíada.

A China, que tem disputado a liderança do quadro de medalhas e que tem uma população predominantemente masculina, enviou uma delegação de cerca de 400 atletas a Londres, sendo 57% do sexo feminino. As mulheres chinesas têm sido fundamentais para que o gigante asiático se destacasse no topo dos pódios. O mesmo acontece com os Estados Unidos que enviou 268 atletas do sexo feminino e 255 atletas do sexo masculino, sendo que a taxa de sucesso na conquista de medalhas foi de 30% para as mulheres e 15% para os homens americanos. O fato é que as mulheres foram fundamentais tanto para a China, quanto para os Estados Unidos estarem no topo do ranking internacional.

No caso do Brasil, a primeira participação feminina aconteceu há 80 anos, quando a nadadora Maria Lenk participou das Olimpíadas de Los Angeles, em 1932. Por coincidência, foi o mesmo ano em que as mulheres brasileiras conquistaram o direito de voto. Nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992, o percentual de mulheres na delegação brasileira foi de 26%, passando para 46% em Sidney, em 2000, e ficando próximo da paridade (50% para cada sexo) nas olimpíadas seguintes.

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As Olimpíadas de Barcelona (1992) foram as últimas em que as mulheres brasileiras não conquistaram medalhas. De lá para cá, tem havido maior igualdade de gênero no pódio. Nas Olimpíadas de Sidney e Atenas as mulheres brasileiras não conquistaram medalhas de ouro, mas conquistaram 4 medalhas (33%) em 2000 e somente 2 medalhas (20%) em 2004. A primeira medalha de ouro feminina do Brasil foi conquistada apenas nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996. Nesta Olimpíada as mulheres conquistaram 4 das 15 medalhas brasileiras, representando 27% do total.

Porém, o hiato de gênero no topo do pódio foi revertido nas duas últimas Olimpíadas, pois as atletas brasileiras conquistaram 2 das 3 medalhas de ouro, tanto em Pequim 2008, quanto em Londres 2012. Na China, as mulheres ganharam 6 das 15 medalhas brasileiras, representando 40%, o maior percentual da história até então. Mas na Inglaterra, o desempenho das atletas brasileiras foi um pouco melhor, conquistando 7 das 17 medalhas, representando 41% do total. Um recorde.

 

O Brasil terminou as Olimpíadas de Londres em 22º lugar. Mas sem as duas medalhas femininas de ouro teria ficado em 37º lugar no ranking internacional. Além disto, nos dois últimos dias de competição foi a vitória das meninas do vôlei que compensaram a ressaca e a frustração da perda do ouro no vôlei masculino e, especialmente, no futebol masculino (que nunca viu a cor do ouro), apesar de todo investimento e publicidade vinculados a este esporte.

Também é preciso destacar que é a primeira vez que as mulheres brasileiras conquistam 2 medalhas de ouro em 2 Olimpíadas consecutivas. As mulheres ainda não atingirama paridade (50%/50%) na participação e no número de medalhas, mas já fizeram um grande avanço nos últimos 80 anos, desde as braçadas pioneiras de Maria Lenk, em 1932. Ficar com zero medalhas femininas, como em Barcelona há vinte anos, parece coisa definitiva do passado. O que os dados mostram é que a maior participação feminina nas competições olímpicas tem se traduzido em aumento do número de medalhas conquistadas.

Os jogos do Rio de Janeiro em 2016 podem ser as primeiras Olimpíadas com igualdade total de gênero e a distribuição de um número igual de medalhas para os dois sexos. O governo brasileiro e o Comitê Olímpico Internacioal devem batalhar para atingir a meta da paridade de sexo no número de competições de 2016 e garantir que os esportes incluídos nas olimpíadas tenham sua versão feminina e masculina sempre que viável.

A equidade de gênero nos esportes é um aspecto importante para ajudar a colocar um fim à discriminação de gênero na sociedade. Para que o mundo e o Brasil se tornem lugares justos e prósperos é preciso romper com as desigualdades entre homens e mulheres em todos os campos de atividade, garantido a igualdade de direito e de oportunidades para todos os cidadãos e cidadãs de todas as comunidades em nível local, nacional e internacional. A equidade de gênero é boa para as mulheres e para os homens, assim como para outros grupos sociais e para as atuais e as futuras gerações.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais
e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;

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