“A autoria negra existe e não é de hoje”: Conceição Evaristo, escritora

Joyce Fonseca

A escritora brasileira Conceição Evaristo está em Paris lançando o seu segundo livro editado em francês, Becos da Memória, pela editora Anacaona. Nesta entrevista, ela nos fala do seu percurso e de sua paixão pela literatura, além do combate para se afirmar enquanto mulher negra intelectual.

no RFI

Ela nasceu nos anos 40, em uma favela de Minas Gerais. Cresceu, como milhões de brasileiros, em uma família e rodeada de mulheres negras, muitas delas empregadas domésticas ou cozinheiras, que ainda viviam no estigma de um Brasil marcado por seu passado de escravidão. Mas o mundo dá voltas e sua paixão por histórias fez dela uma das escritoras mais celebradas do momento.

O livro Becos da Memória foi traduzido em francês como Banzo, mémoires d’une favela. É a segunda obra de Conceição traduzida para o francês, depois de Ponciá Vicêncio, publicado no país pela mesma editora, que emocionou o Brasil ao contar a infância sofrida de uma menina pobre, descendente de escravos, e os caminhos de sua vida, pontuada por sonhos, desilusões e lutas. E na França? Como foi a percepção desse Brasil contado através de Ponciá Vicêncio? “Eu tenho a impressão que aqui na França, o que eu conto com a Ponciá Vicêncio, e também em Becos da Memória, traz justamente a voz afro-brasileira, essa voz nascida de dentro, nascida da experiência, nascida da condição dos negros brasileiros. A França até conhece romances brasileiros que chegam até aqui, mas são sempre romances escritos de fora pra dentro. Eu tenho a impressão de que meus livros trazem esse outro lugar, que é o lugar de fala de uma autoria negra brasileira”, diz a autora.

Conceição Evaristo levou 20 anos para publicar a sua primeira obra: “No Brasil se tem um imaginário muito cruel em relação aos negros, e mais ainda cruel em relação às mulheres negras, vistas como boas cozinheiras, boas lavadeiras, aquelas que tomam conta do corpo do outro, que dançam, então, acreditar na capacidade de escrita das mulheres negras, acreditar que são mulheres pensantes, intelectuais, que criam situações de aprendizagem, que somos donas do conhecimento, isso é mais difícil. Então, acreditar que uma mulher negra produza literatura, marcadamente mais de autoria de homens, e homens brancos (…) é muito mais difícil do que para uma mulher branca, por exemplo”.

Sobre a evolução da presença dos negros na literatura, Conceição analisa que ” o fato deste produto não estar sendo visível, não significa que não exista. Essa autoria negra, essa dinâmica construída através de uma experiência negra na sociedade brasileira, essa dinâmica existe e não é de hoje. Agora, ela não é visibilizada como outras dinâmicas”, reflete a escritora.

Como Conceição vê o atual momento brasileiro? “Tenho dito que as conquistas que foram feitas, toda a trajetória dos afro-brasileiros, têm um momento muito grato a partir do governo Lula em 2003, inclusive as próprias ações afirmativas que vão permitir uma entrada maior de afro-brasileiros nas universidade, e a lei que instituiu o estudo das culturas africanas e afro-brasileiras no currículo escolar, e incorpora também o estudo das culturas indígenas. Através da educação, da formação de professores, da entrada de jovens afro-brasileiros e indígenas nas universidades brasileiras, tudo é muito esperançoso e muito rico para a sociedade brasileira como um todo. E nesse momento a gente não tem muita certeza do que pode acontecer, mas acredito muito que a história não vai retroceder (….), acho que podemos encontrar estratégias para garantir essas conquistas”, conclui a escritora.

Veja abaixo o vídeo da entrevista

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