Cabe às mulheres parar de reclamar e mostrar que ‘podem fazer’, diz executiva da Amazon

A americana Teresa Carlson se tornou uma das mulheres mais importantes no mundo da tecnologia sem saber o que era programação.

Por Ingrid Fagundez, da BBC

Nos anos 1990, quando recebeu a primeira proposta para trabalhar na área, em uma pequena empresa de softwares, sua resposta foi direta: “Não sei nada sobre tecnologia, sou uma burocrata do papel”.

Semanas antes da oferta, Carlson fazia a reabilitação de pacientes com derrames ou outros problemas prejudiciais à fala. Era especialista em distúrbios de comunicação, mas não estava satisfeita no posto.

“Sentia que estava no (filme) Feitiço do Tempo, todos os dias eram iguais. Então disse: vou mudar de carreira. Escrevi um currículo e mandei para um amigo.”

Anos depois, a empreitada deu certo. Vice-presidente global de Setor Público da Amazon Web Services (plataforma de computação na nuvem oferecida pela Amazon) e com passagem pela Microsoft, ela foi reconhecida como uma das “Pessoas Mais Importantes da Computação em Nuvem” pela revista Business Insider.

Em entrevista à BBC Brasil, a executiva, que apoia uma maior presença feminina no setor, afirma que as mulheres não estão fazendo tudo o que podem para conquistar seu espaço. “Cabe a elas, como um ponto de partida, tomar uma posição e dizer: vamos parar de reclamar e fazer algo a respeito.”

Além das ações individuais, para Carlson é essencial inserir aulas de programação nas escolas e incentivar as jovens a mexer com códigos.

“Elas precisam entender que carreiras em tecnologia ajudam-nas a ser indíviduos independentes. Podem ganhar muito dinheiro, ter ótimas escolhas.”

A americana, que é responsável pelo contato da empresa com governos, esteve no Brasil em junho para um evento da Amazon Web Services.

Leia abaixo os principais trechos da conversa.

BBC Brasil – Por que há poucas mulheres na tecnologia hoje? Acha que esse cenário está mudando?

Teresa Carlson – Somos as usuárias primárias da tecnologia, compramos as coisas, somos responsáveis por fazer as coisas no ambiente doméstico. Mas por que não podemos ser aqueles que desenvolvem a tecnologia? Não é por que não conseguimos fazer e eles conseguem. Mas é porque não fomos encorajadas desde cedo a nos empolgar com tecnologia, porque em muitas culturas (essa possibilidade) é ainda desconhecida.

A nuvem abriu um modelo que permite acesso como nunca antes, dá às meninas e jovens acesso à tecnologia para começar uma empresa, trabalhar, aprender. Nos últimos dois anos, passei um tempo no Oriente Médio e as mulheres nos países muçulmanos estão usando o YouTube como um modelo primário de utilização da tecnologia.

No Barein, a maioria das pessoas nos programas de ciências da computação é de mulheres. Nesses países, onde você acharia pouco comum, há um comportamento progressista, porque as mulheres querem aprender e estão até aprendendo por conta própria.

No entanto, no Brasil e nos Estados Unidos, as estatísticas mostram que há menos meninas entrando nas ciências de computação e temos que parar isso e dizer “vamos descobrir como mudar a dinâmica”.

BBC Brasil – O Vale do Silício é responsável por boa parte das novas tecnologias e é formado majoritariamente por homens. Quais são os efeitos dessa falta de representatividade feminina no que é produzido no local?

Carlson – O Vale do Silício é ainda muito pouco representativo quando se fala em mulheres. A grande maioria dos grandes investimentos de capital não estão indo para negócios de mulheres. No entanto, o que está acontecendo é que há vários grupos de investidores, especificamente de mulheres empreendedoras, que estão começando seus próprios grupos para dar fundos a empresas fundadas e de propriedade de mulheres, o que é animador.

O ponto é dar acesso. E, francamente, cabe às mulheres, como um ponto de partida, tomar uma posição e dizer: vamos parar de reclamar e fazer algo a respeito. E é disso que a #smartisbeutiful trata: ser proativa e resolver o problema.

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Ambientes de tecnologia ainda têm pouca presença feminina, diz Carlson

BBC Brasil – Você acha que mais mulheres estão reclamando da falta de igualdade do que fazendo algo a respeito?

Carlson – Eu acho. Francamente, há muito “nós não conseguimos isso ou aquilo”, ok, tudo bem, nós podemos reclamar, mas isso está nos ajudando a mover a bola para a direção onde queremos ir. Parem de dizer que não podemos fazer e vamos mostrar que podemos sim.

BBC Brasil – Quais são, na sua opinião, as principais barreiras que impedem as mulheres de entrar o setor de tecnologia?

Carlson – Acho que é acesso. E essa é a razão pela qual sentimos que o tempo é agora, porque o acesso está mudando. Todo mundo tem um smartphone, um iPad, um Kindle. Até em lugares muito rurais geralmente (há) um dispositivo móvel. E é pelo acesso à tecnologia que elas vão poder acessar o ambiente de programação da nuvem, ter aulas online e treinamento por streaming que antes não estavam disponíveis.

Eu não tinha noção do que programação era quando estava na escola. Meus pais eram professores, superprogressistas, mas não tínhamos acesso. Hoje, se colocarmos a tecnologia em contato com as meninas e começarmos a falar ‘nós vamos mostrar a vocês como fazer isso’… é como tocar um instrumento. Se começarmos agora, não há motivo pelo qual não podemos mudar.

Um outro ponto é no lado governamental. Nos Estados Unidos, quando você se forma no ensino médio e vai para a faculdade, precisa de certos créditos. Descobrimos que há alguns anos havia apenas quatro Estados nos EUA que aceitavam créditos por atividades de ciências da computação. Então também trabalhamos com a equipe de política da Amazon para apoiar essas mudanças. Falamos com os nossos políticos e explicamos a eles que você não pode esperar que a inovação aconteça se não pensa realmente em mudar o modelo pelo qual os alunos são encorajados.

Há países que estão tornando a programação obrigatória: Estônia, Reino Unido, Israel, Coreia e Austrália. Estão tentando que outros se unam a eles para advogar por nações digitais, o novo modelo à frente.

BBC Brasil – Na Amazon Web Services há alguma política de igualdade de gênero estabelecida?

Carlson – Não há uma política. Nós somos apenas muito abertos e sempre temos sido. E sempre tentamos contratar a pessoa certa para o trabalho certo. Mas nós também estamos encorajando ativamente o recrutamento para ter mais mulheres na empresa.

BBC Brasil – O que mudou desde que você entrou na área, nos anos 1990? Há mais mulheres?

Carlson – Há definitivamente mais mulheres do que quando entrei, isso é muito positivo. Temos mulheres em muitas posições de liderança. Também vejo que as mulheres estão entendendo muito mais que o aspecto de relacionamento é importante. Tenho colegas mulheres para quem posso ligar e dizer ‘eu tenho uma pergunta’. Esse efeito das relações é importante.

Os homens fizeram isso por anos e as mulheres agora têm uma comunidade no mundo da tecnologia a quem elas podem recorrer e falar sobre como resolver algo. E há uma participação ativa das empresas e da mídia questionando sobre o que está acontecendo e sobre como pode apoiar esse esforço.

Era uma ação (de incentivar a participaçã das mulheres) a quem ninguém prestava atenção e agora há uma luz sobre ela. E você tem pessoas como eu, e outras – tenho muitas amigas tentando promover e encorajar meninas que programam, mulheres na tecnologia – para fazer isso mais dinâmico e global. Além disso, há mulheres incríveis que abriram companhias e servem como modelos. Hoje temos modelos que podemos mostrar para nossas filhas, indivíduos nos quais elas podem se inspirar.

BBC Brasil – Quais as vantagens de ser ter mais mulheres desenvolvendo produtos tecnológicos? Elas vão atender mais as necessidades específicas femininas?

Carlson – Uma mulher é parte de um time para dizer como outras mulheres pensam sobre aquilo, como elas compram. Estudos mostram que as mulheres fazem a maioria das compras em casa, elas tomam grandes decisões e estão começando a tomar mais decisões financeiras. Como uma mulher pensa? Como ela gosta de comprar? O que a motiva a usar um lado e não outro do celular?

BBC Brasil – O que você diria para meninas que se interessam por tecnologia, mas não sabem programar nem por onde começar?

Carlson – Iria encorajá-las a fazer aulas de ciências e matemática, mas também a programar. Há acesso a ferramentas de programação, como Code.org, que é muito boa, Girls who Code (girlswhocode.com), que é fantástico para meninas. E também diria às meninas que são líderes em suas comunidades que comecem as suas próprias coisas, façam seu próprio movimento, juntem-se e falem sobre que problemas querem resolver.

Como uma jovem, pergunte-se: o que quero resolver? E aí use a tecnologia para fazer isso. Não começa com a tecnologia em si, mas com o motivo para usá-la. Elas também precisam entender que carreiras em tecnologia ajudam-nas a ser indíviduos independentes. Elas podem ganhar muito dinheiro, ter ótimas escolhas e vários tipos de carreira. Essa seria outra dica: explore carreiras fora do que você normalmente pensaria.

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