Casos Samuel e Saul Klein: violência de gênero também se aprende em casa

FONTEUniversa, por Gabriela Souza*
Gabriela Souza (Foto: Reprodução/ Facebook)

Advogando pela busca dos direitos humanos das mulheres há alguns anos, pude perceber que diversos movimentos fazem com que a gente busque justiça contra as injustiças diárias e rompam silêncios. Muitas vezes, o conhecimento de que algo que uma mulher vivenciou é crime aparece quando um caso ganha repercussão na mídia, ou durante um trabalho terapêutico ou por meio de conversas com amigas e familiares.

Mas me chama muito atenção quando mulheres que me procuram para ajudá-las a colocar fim a uma determinada situação de abuso percebem que os pais de seus agressores tinham o mesmo comportamento que eles. Aparentemente, a mesma relação que pode ser feita entre Samuel Klein e seu filho Saul.

Reportagem da Agência Pública revelou que Samuel, fundador das Casas Bahia morto em 2014, é acusado por vítimas de ter mantido um esquema de exploração sexual de menores. Já Saul Klein, seu filho, está sendo investigado por violência sexual após 32 vítimas o terem denunciado — todas elas minhas clientes nesse processo.

Entender a violência de gênero sob um olhar intrageracional é observar que as violências, muito embora possam fazer parte do ser humano, são aprendidas e replicadas

Diversos são os estudos e pesquisas, como o da sociedade americana de psicologia, que apontam que crianças têm tendência a repetir o comportamento de seus genitores e que aquelas que crescem em ambientes de violência de gênero possuem três vezes mais chances de se tornarem adultos agressivos.

Assim, pode-se apontar que a transgeracionalidade de comportamentos agressivos é um fator de risco para violências de gênero e que a percepção do mesmor ajuda mulheres a buscarem o fim de relacionamentos abusivos, como forma de proteção individual e dos filhos.

Interessante pensar na palavra patriarcal como maior justificadora dessa transmissão de violências por gerações. A imagem de um patriarca em uma família tradicional nos remete equivocadamente a um pensamento de estabilidade, força, assertividade, a alguém responsável por resolver todas as questões familiares e proteger todos.

Logo, se este patriarca comete violências, seus descendentes carregam quase que no DNA essa prática, pois replicam pelo exemplo. E assim surge a sociedade patriarcal, calcada na misoginia e no sexismo, replicando lógicas arcaicas e criminosas sobre comportamentos de agressores, predadores sexuais, abusadores que cometem essas violências por terem sido expostos e incentivados familiar e socialmente para seguirem com esses comportamentos.

Ter um patriarca agressor não é motivo exclusivo para que seus descendentes repliquem seus comportamentos, porque muito embora a genética da violência contribua, isso não pode ser analisado de forma isolada — sob o risco de ser injusta com diversos homens que, mesmo crescendo em ambientes violentos, buscaram curar essa ferida e fazer exatamente o oposto em suas vidas adultas.

A patriarcalidade familiar encontra respaldo na patriarcalidade social que, ao longo de milênios, naturalizou comportamentos violentos, principalmente se cometidos por homens brancos, héteros e ricos.

De fato muitos deles vivenciaram a violência de gênero em seus lares desde pequenos, o que contribui para que se tornem homens agressivos, predadores sexuais ou abusadores. Mas o fator social aliado ao sentimento de impunidade colabora para que esse homem escolha ser um agressor. Não se trata de patologia física hereditária, mas sim social e que busca urgentemente cura.

Compara-se violência de gênero a uma doença que mata 12 mulheres por dia no Brasil. Ampliando a analogia, podemos dizer que o vírus dessa doença é o patriarcado, a lógica sexista e a transmissão desse vírus como um troféu ancestral que dá aos homens uma imunidade para cometerem condutas criminosas que se repetem e qualificam através das gerações.

O rompimento desta “transmissão hereditária” de violências impõe-se necessário para que novas gerações sejam criadas com uma nova lógica de agir e pensar, talvez podendo ser este um dos antídotos necessários para o fim das violações contra os direitos humanos das mulheres.

*Gabriela Souza, advogada, é especializada em direitos das mulheres, sócia do primeiro escritório de advocacia feminista do Sul do país e professora da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres. É advogada das mulheres que acusam Saul Klein de violência sexual.
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