Cidades expulsam terreiros por não conseguirem conviver com outros modos de vida, diz liderança

Felipe Brito afirma que a sociabilidade das religiões de matriz africana não é bem aceita nos espaços urbanos

FONTEPor Thalita Pires, do Brasil de Fato
"As pessoas nos olham como alvo para exercer racismo, utilizando uma leitura errônea do cristianismo", diz Brito (Foto: Comunicação MST)

Um relatório da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) de 2022  revelou que quase 99% dos das lideranças religiosas entrevistadas já sofreram algum tipo de ofensa relacionada à sua fé. O levantamento, chamado “Respeite o meu Terreiro”, entrevistou 255 lideranças religiosas em todo o território nacional. 

Para Felipe Brito, jornalista, mestre em políticas públicas e fundador da Ocupação Cultural Jeholu, o espaço urbano é organizado com base em uma ideologia que não aceita sociabilidades diferentes. “O espaço urbano numa cidade como São Paulo e nas grandes metrópoles muitas vezes materializa os processos de uma sociedade capitalista, em que as pessoas estão cada vez mais sitiadas, são escravas de uma sociedade de consumo”, afirma. “As comunidades tradicionais de matriz africana, na sua essência, têm uma vivência, uma filosofia e um modo de olhar para o mundo que rompe com esses padrões ocidentais”, explica.

Felipe participou do seminário “135 anos da abolição: latifúndio, fome e trabalho escravo“, parte da programação da IV Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada até este domingo (14) no Parque da Água Branca, na cidade de São Paulo.

Para ele, então, é esperado que esses territórios venham expulsando os terreiros, que acabam se estabelecendo em regiões rurais. “Os espaços urbanos têm se tornado lugares nocivos para a presença da matriz africana, porque são espaços muito racistas”, denuncia. Esse preconceito atinge em cheio a religiosidade negra. “Muitas vezes, na matriz africana, as pessoas nos olham como alvo de exercer racismo, utilizando uma leitura errônea do cristianismo, uma leitura muitas vezes fascista, uma leitura segregacionista para atacar tudo que é da simbologia, da cultura e da memória das comunidades tradicionais de matriz africana”, afirma.

Essa expulsão acontece por meio de violência contra os terreiros e seus frequentadores, mas não só. “Essa expulsão vem por meio de políticas públicas que não entendam que esses espaços têm naturezas, princípios e particularidades que precisam ser respeitadas porque são povos tradicionais. A sociedade precisa entender que aquele espaço é um espaço cidadão e que tem suas necessidades que precisam ser vistas a partir do fomento de políticas públicas específicas para esses povos desses grupos”, diz.

Respeito à diversidade

Felipe afirma que o terreiro, diferente da maioria das religiões, historicamente respeita o que hoje são chamadas de minorias. “Costumo dizer que a comunidade tradicional africana, o terreiro de candomblé, o terreiro de umbanda, de macumba, tambor de mina, eu gosto de frisar as nomeações, sempre materializaram o respeito ao mais velho, o respeito à mulher, a mulher negra como liderança e como fonte de poder, de estrutura, sabedoria e organização da comunidade”, pontua. A família, nas religiões de matriz africana, é organizada em comunidade, numa composição diferente da família nuclear tradicional. “É uma família expandida e vai exatamente contra esse discurso fascista LGBT-fóbico que está plantado na sociedade. A comunidade tradicional de matriz africana tem que ter o cuidado com a terra, como foi questão essencial da sua existência”, explica.

Um dos grupos mais perseguidos pela sociedade, a população trans, também está representada nos terreiros. “A população LGBTQIA+ não está inclusa pela porta dos fundos nos terreiros de Candomblé. Muito pelo contrário, as comunidades tradicionais de matriz africana têm muitas lideranças LGBTQIA+, inclusive pessoas transexuais que são lideranças máximas das suas comunidades”, ressalta.

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