Coletivo de mulheres da UFJF combate violências no ambiente acadêmico

Grupo formado por docentes, alunas e funcionárias promove escuta, acolhimento, apoio e atenção às vítimas de assédio moral, sexual, estupro e diversas outras violências contra a mulher

 Por Flávia Lopes para o Portal Geledés 

 

Foto: Divulgação/Coletivo “Marielle Franco” – Mulheres UFJF

A universidade aparece como um sonho. Que exige estudo, dedicação e muito empenho. Um ambiente que muito possivelmente vai orientar os rumos de sua profissão, de sua vida. Mas para mais de 40% das mulheres esse ambiente tão almejado pode se transformar em um espaço de medo e opressão. É o que mostra pesquisa do Instituto Avon/Data Popular realizada em 2015, com

1.823 alunos de graduação e pós-graduação de todo o país. Segundo o levantamento, 42% já sentiram medo de sofrer violência no ambiente universitário e 36% já deixaram de fazer alguma atividade na universidade por medo de sofrer violência.

Combater essa preocupante realidade é o objetivo Coletivo “Marielle Franco” – Mulheres UFJF, formado por professoras, TAEs e discentes de várias unidades da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Por meio ações de escuta, acolhimento, apoio e atenção às vítimas de assédio moral, sexual, estupro e diversas outras violências contra a mulher o grupo busca orientar e fortalecer essas mulheres, que muitas vezes se veem vulneráveis e muitas vezes acabam optando pelo abandono de seus cursos (e sonhos) diante da incapacidade e falta de apoio para enfrentar ou denunciar seus agressores. Em uma sociedade em que a violência sexual é normalizada por meio da culpabilização da vítima, é necessária uma ação efetiva, voltada para o enfrentamento à cultura do estupro.

 

“A ideia de organizar um coletivo de mulheres surgiu no sentido de fortalecer as denunciantes e pensar seu acolhimento. O fenômeno do assédio e violência sexual no ambiente acadêmico tem crescido e sido pauta de movimentos feministas e de estudantes de vários países. Frente a essa realidade na UFJF, e por conta de processos que vão se construindo de desigualdade entre homens e mulheres, pensamos em criar esse espaço de discussão e apoio”, explica a professora Carolina Bezerra, uma das organizadoras do grupo, que hoje conta com 20 integrantes, entre docentes, funcionárias e discentes de pós-graduação que trabalham com a temática.

 

Ainda segundo a professora, o coletivo busca pensar coletivamente medidas institucionais e de apuração, acompanhamento das denúncias e proteção das denunciantes. “O processo de apuração desses casos é muito complicado, pois as vítimas são revitimizadas. A cultura do estupro e machismo criam uma compreensão de que ao delatar elas estariam expondo a instituição e os assediadores. Não se pensa nas vítimas e no que é prejudicial para essas meninas que estão se formando na graduação, mestrados e doutorados.”

 

O grupo trabalha na busca de dados locais, mas ainda segundo pesquisa do Instituto Avon/Data Popular, 67% das mulheres ouvidas já sofreram algum tipo de violência no ambiente universitário. Ao longo dos últimos anos, a UFJF vem recebendo diversas denúncias e relatos de estudantes, professoras, servidoras e funcionárias terceirizadas sobre casos de assédio, abuso sexual e estupro, praticados por docentes, discentes, servidores e funcionários terceirizados. Sabe-se que por diversos motivos muitas mulheres não formalizam denúncias pelo medo de represálias e do comprometimento não só de suas carreiras e vidas acadêmicas, como também de seus empregos.

 

No entanto, com a ausência da formalização da denúncia e, consequentemente, da apuração dos fatos, cria-se um ciclo de impunidade que se perpetua fazendo novas vítimas. “Existe ainda outro medo por parte das vítimas: serem duplamente violentadas. A primeira violência vem do assédio a que foram submetidas e a segunda pela descrença e desconfiança em relação ao conteúdo de suas denúncias – procedimento, infelizmente, recorrente nessas situações, que acabam por intimidar as vítimas e fazer com que um possível processo de apuração das denúncias não tenha continuidade”, explica Carolina.

 

Para um trabalho mais efetivo, o grupo busca compreender os tipos de violência sofridos pelas mulheres nesse ambiente e as estratégias de apuração e punição das denúncias, numa articulação com as atividades fundamentais de uma universidade: ensino, pesquisa e extensão. Para isso, busca inclusão de disciplinas nos cursos de graduação e pós-graduação, abertura de cursos de especialização em relações de gênero e sexualidade, pesquisas sobre violência contra a mulher no ambiente acadêmico e atividades de extensão como ações comunicacionais e educacionais por meio de campanhas e formação de funcionários/as, docentes e discentes.

 

Foto: Divulgação/Coletivo “Marielle Franco” – Mulheres UFJF

O coletivo conta ainda com a colaboração de grupos de pesquisadores da UFJF que possibilitarão o aporte teórico sobre as relações de gênero e sexualidade por meio das suas pesquisadoras. “Ainda que de forma incipiente e fragmentária, já pudemos observar que as formas de apoio e acolhimento das vítimas se desenvolve de forma mais saudável no âmbito da confiança, do afeto e da sororidade tão necessária entre mulheres”, observa Carolina Bezerra.

 

A professora também justifica o nome dado ao coletivo em homenagem a Marielle Franco, mulher negra, periférica, liderança feminista recentemente assassinada em um crime político. “Sua luta para que as mulheres ocupem os espaços públicos, assim como espaços de representatividade e empoderamento, nos inspira e nos impulsiona a construir um ambiente acadêmico mais igualitário e equânime, no que diz respeito às desigualdades raciais e de gênero.”

As denúncias e pedidos de acolhimento e orientações ao coletivo podem ser feitos pelo e-mail coletivomariellefranco14@gmail.com, pela página no Facebook ou diretamente com as integrantes do coletivo, que farão o encaminhamento para a escuta e orientações às vítimas.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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