Nesta terça-feira (13), a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo) realizou uma audiência pública sobre o uso de vestimentas religiosas em ambientes jurídicos no Brasil.
O encontro reuniu representantes de diversas comissões da OAB de todo o país, como a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB SP, a Comisssão de Liberdade Religiosa da OAB SP, a de Combate à Intolerância Religiosa da OAB BA (Seccional Bahia) e a Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB MG (Seccional Minas Gerais), além da Associação Nacional de Juristas Islâmicos.
A mesa de abertura do evento contou com a presença da presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB SP, Rosana Rufino, da 1ª vice-presidente da Comissão, Lenny Blue, e do 2º vice-presidente da Comissão, Saimon de Andrade Martins Cardoso. Rosana falou sobre a importância de debater o tema para que o respeito à diversidade religiosa seja assegurado em todos os espaços. “O respeito à diversidade religiosa e o combate ao racismo e à intolerância religiosa são pautas fundamentais para as comissões e as organizações que hoje estão aqui representadas. Esperamos alguns encaminhamentos para que possamos levar esse debate para os espaços de justiça, como tribunais, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas, para que a liberdade religiosa seja respeitada em todo tempo e em todo lugar “, destacou a presidente.
A primeira mesa de discussão, com o tema “Racismo Religioso e seus Desdobramentos”, teve início com a leitura de uma Carta de Compromisso por representantes das comissões com pautas pertinentes para promover políticas contra o assédio religioso, garantindo o respeito à diversidade religiosa.
Entre os temas discutidos na primeira mesa, a coordenadora da Associação Nacional de Juristas Islâmicos, Quezia Barreto, falou sobre o que chamou de “demonização” das religiões minoritárias na história do preconceito religioso no Brasil. Ela lembrou como o Islã também é considerado uma religião afro-brasileira, devido à memória da Revolta dos Malês, em Salvador (BA), em 1835, em um período marcado pela busca por liberdade religiosa e pelo fim da escravidão. Naquele contexto, os muçulmanos também precisavam ocultar sua fé para evitar perseguições.
Quezia também fez questionamentos sobre a necessidade de debater o efetivo caráter laico do estado no Brasil. “A descriminalização das religiões africanas no Brasil só cai por terra em 1940, mas, mesmo assim, ainda está presente no imaginário popular pela forma como os espaços de culto das pessoas pretas aqui no Brasil são tratados pela polícia e pelas entidades públicas. Não existe respeito ao nosso sagrado. Quando a gente propõe uma audiência pública, questionamos a sociedade civil e também as entidades públicas no que tange ao respeito ao nosso sentimento religioso, que é um fator importante e é garantido constitucionalmente para nós”, declarou a coordenadora da Associação Nacional de Juristas Islâmicos.
A presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB SP, Cristiane Natachi, abordou o papel do Judiciário, enfatizando que “o Judiciário precisa agregar a todos, a todas e a todes, inclusive os profissionais. Não precisamos nos esconder ou nos limitar porque a nossa capacidade intelectual não é limitada. Enquanto profissionais, não podemos admitir preconceito religioso, somos representantes da democracia e estamos falando pela sociedade.”
Finalizando a primeira mesa, a presidente da Comissão de Direito e Liberdade da OAB MG, Isabela Cristine Dario, comprometeu-se em nome da OAB MG a assinar a Carta de Compromisso relatada no início da sessão. Ela refletiu sobre como as instituições públicas ainda não compreendem a diversidade religiosa, especialmente em áreas do interior, e sobre como é fundamental trabalhar com as prerrogativas necessárias para combater o racismo religioso.
Isabela também revelou a complexidade da situação religiosa no Brasil. “O Brasil hoje vive uma guerra religiosa. Tem pessoas que morrem por isso, que perdem sua casa por isso. Tivemos nossa primeira sacerdotisa brasileira que teve exílio religioso, porque ela não pode ficar no Brasil porque estava jurada de morte. Onde estamos falhando? Fazemos parte disso, somos defensores da legislação e da Ordem”, questionou Isabela Cristine Dario.
A segunda mesa da audiência teve como tema a “Promoção de Políticas Públicas de Enfrentamento ao Racismo Religioso no Judiciário Brasileiro”. A juíza auxiliar do Comitê de Diversidade e Inclusão da Advocacia-Geral da União do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Karen Luise Souza, falou sobre sua trajetória atrelada à questão racial, visando criar um pacto pela equidade racial.
Ela também destacou a necessidade de combater o racismo institucional e de sistematizar dados raciais para embasar políticas mais eficazes. “Não é possível construir política pública se não trabalharmos com dados. E esses dados precisam marcar cor, raça, gênero e orientação, para que possamos compreender o perfil e construir as melhores políticas”, afirmou Karen Luise Souza.
Finalizando a sessão, a coordenadora Estadual do Núcleo Maranhão das Mulheres de Axé do Brasil, Vodunsi Agonjaí, comentou sobre a importância de discutir o racismo religioso dentro das instituições públicas. “Pautar esse racismo religioso dentro das instituições públicas foi um meio que encontramos de capacitar inclusive os servidores públicos. Esse combate vai fazer com que essas pessoas entendam seu local de fala, além de trazer para a sala de aula as pessoas que são de comunidades tradicionais”, finalizou a coordenadora.