Desafios para a pacificação na Maré

Por:Walmyr Júnior *

 

Segundo as informações da prefeitura, o Complexo da Maré deverá ganhar 19 escolas e creches até 2016. Dessas, seis escolas e um Espaço de Desenvolvimento Infantil farão parte do Campus Educacional da Maré. Caso abra de fato a licitação para a obra, as primeiras unidades estarão previstas para ser entregues a partir do segundo semestre do próximo ano.

Esse investimento de R$ 325 milhões poderá atender mais de 10 mil crianças das 16 comunidades que compõem a Maré. Elas talvez estudem em turno único de sete horas diárias e, quem sabe, terão outra oportunidade em um futuro próximo. Essas informações foram divulgadas no dia 31 de março pela subsecretária municipal de Educação, Helena Bomeny. 

De acordo com a subsecretária, a pacificação das favelas, iniciada no domingo (30/3), com a ocupação por forças de segurança, possibilita que a educação mude os futuros das crianças da Maré. 

“O que os pais podem esperar agora é que os professores possam ir com mais prazer à escola, que a diretora possa abrir a escola com mais tranquilidade e que possam deixar os filhos lá, sem precisar ficar telefonando [para saber da situação]. Isso vai ter uma repercussão enorme no aprendizado dos alunos”.

Sabemos que existe um ódio nutrido entre as três facções do tráfico de drogas que ocupam a Maré, além de uma facção de grupos de milicianos que ocupa duas das dezesseis favelas. O mapa da Maré, loteado por poderes paralelos ao do Estado, são cultuados nestes últimos 25 anos. Não existe uma surpresa nessa ocupação. Estamos diante de uma subcultura de rivalidade entre as mais variadas juventudes, que por ter ‘a malandragem da favela’ como única liderança que se ‘preocupa’ com o morador, cultua e idolatra tais ‘soberanos’. 

Na favela o Estado não é o promotor da cultura, do lazer e nem da educação. Tanto o baile quanto o samba tem um patrocinador. O campo de futebol, ou os brinquedos da pracinhas recebem a manutenção de um agente comunitário que não recebe ordens do prefeito e nem do governador. Dia dos Pais, das Mães, Páscoa, Dia das Crianças, Natal e tantas outras festas só são comemoradas na favela porque o Robin Hood deixou ali seu ‘presente’. O transporte não tem aparto dos veículos competentes e o morador fica à mercê de uma segurança privada que não usa farda. 

Escravos do paternalismo paralelo, o morador quando vê o prefeito chegando sente na sua garganta o gosto da desconfiança. O fardado traz o medo e a insegurança, ouve bater nas portas o som da patrulha que só enxerga na imagem do pobre favelado o estereótipo subversivo. A polícia que sempre entrou para bater e para matar quer construir um mito da ‘paz’ na favela, o Estado quer limpar seu nome que está sujo nas marcas do descaso e abandono.

Eis ai o desafio da pacificação: desconstruir os ódios coletivos e multifacetados que fazem parte da vida e da história desses moradores. Dar um novo sentido para a guerra que impulsionou tantos jovens a dar suas vidas por uma ideia de conforto e ostentação na favela. Uma guerra que deixou órfãos, viúvas e muitas mães chorando por seus filhos. Geralmente na favela o vilão usa farda e o mocinho come na mesa de casa. Me questiono se as escolas prometidas pela prefeitura vão chegar na Maré, e quem sabe possibilitar que tantas crianças possam reescrever sua história.  

* Walmyr Júnior Integra a Pastoral da Juventude da Arquidiocese do Rio de Janeiro, assim como da equipe da Pastoral Universitária Anchieta da PUC-Rio. É membro do Coletivo de Juventude Negra – Enegrecer. Graduado em História pela PUC-RJ e representou a sociedade civil em encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.

 

 

 

Fonte: Jornal do Brasil

 

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