Do zero novamente – Por: Fernanda Pompeu

Escolhi uma profissão que não tem carteira assinada e nem plano de carreira. É da família tentativa-erro-acerto. Muitas vezes dá tudo errado, algumas outras até dá certo. Profissão que se parece com a daquele circense que se equilibra numa corda bamba.

Acho que decidi que seria escritora quando estava sendo alfabetizada, pois me lembro do prazer com que escrevi as primeiras letras, notadamente quando consegui desenhar a letra h. Senti júbilo.

Quando eu resolvi contar que era isso que queria ser, não fui exatamente encorajada. Os adultos da época – volte cinquenta e poucos anos – não lidavam muito bem com sonhos de crianças. Minha avó materna, por exemplo, pontuou que escrever era no máximo um hobby.

Mas é claro que insisti. Fui me formando por conta própria. Gostava de acariciar cadernos. Abria na primeira página e o imaginava completamente preenchido. De fato devo ter uns 100 cadernos lotados de frases.
Todos eles estão num grande baú entre bolinhas de naftalina para afugentar insetos leitores. Não sinto vontade de ler nada do que escrevi neles, mas também não jogo de jeito nenhum a coleção no lixo.

Nessa vida de escritora, fui e vou tentando de tudo. Roteiros para vídeo e tv, contos para concursos, romance, textos para folhetos, revistas, jornais, internet. Ficção, publicidade, jornalismo. Sou uma franco-atiradora de parágrafos.

Minha grana no banco? Sempre no limite. Nada de conta poupança, nada de investimentos. O dinheiro que nasce morre no dia seguinte. Não dá para pensar em férias no Caribe, festas, futuro.

Alguém deve estar perguntando: por que insistir numa profissão tão insegura, tão mal paga? Tenho duas repostas imediatas. Primeira, estou crescidinha demais para mudar de ramo. Deveria ter pensado nisso há trinta anos.
A segunda resposta, bem mais verdadeira, é que eu adoro escrever. Desde aquela letra h da alfabetização. Foi um alumbramento que me fez prisioneira. Sei que farei isso até o fim desta vida e em outras. Se outras houver.
Pois existe no ofício de escrever uma delícia particular e impagável. A excitação de partir do zero. Um novo texto é sempre um começo, uma tentativa. O bom texto escrito ontem não garante qualidade ao que será escrito hoje.
Régine Ferrandis sobre ilustração do livro “Mistérios do Alfabeto”, de M.A. Ouaknin.

Fonte: Yahoo

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